Depois do almoço
fomos deitar no gramado debaixo da sombra da grande mangueira,
na praça, frente ao restaurante, onde demos uma boa
cochilada.
Achei estranho. As casas na praça
da Igreja, e mesmo nas ruas, são todas grudadas umas
nas outras. Com tanto espaço! O guia nos disse que
as casas no sertão são juntinhas, como pode
ser visto na fotografia, para defesa contra os jagunços
e bandidos do passado. Quando eles iam chegando à cidade
todos entravam em suas casas e armados com suas garruchas
esperavam atrás das janelas para fazerem a defesa de
seus lares, principalmente das mulheres. Os jagunços
entravam rasgando e estuprando todas, de “mamando a caducando”,
dizem que não importava a idade.
Rio Catarina, que nasce na Serra Mariana,
passa no fim da cidade. É uma vereda maravilhosa, com
praias lindas. Água potável, sol, e muita paz.
O Marcelo e o Guia Anderson foram pegar frutas de buriti do
na outra margem do rio. Experimentei, contudo não deu
para gostar, pois o sabor é bem diferente. Quando usei
a farinha do buriti na comida, gostei muito! Trouxe uns quilos
para casa.
Devido à seca prolongada, o Rio Catarina estava com
muito pouca água. Segundo os moradores, a cada ano
que passa o volume de água do rio e seus afluentes
têm diminuído muito.
Agora, não se pode dizer nada da paisagem! É
uma beleza ímpar, sui generis, uma vereda espraiada,
luminosa e limpa.
Caminhei um pouco observando as limpas águas do rio,
incrível, mas não vi peixe, nenhum lambarizinho
se quer!
Estou na Vereda do Rio Catarina, que fica
a menos de um quilômetro do centro da Praça de
Vila das Araras. Este rio nasce na Serra Mariana, e deságua
no Rio Pardo, como já mencionei afluente do São
Francisco.
Esta é a bela fotografia do cacho de buriti. E o Marcelão
dorme na praia do rio após o esforço de ir buscar
os frutos da famosa palmeira. Reparem como é limpa
a água do Rio Catarina.
Todos nós descansamos um pouco na sombra das árvores
a beira rio. Mas, somente Marcelo ferrou no sono mesmo. Eu
fiquei debaixo de uma árvore de pimenta de macaco.
Descansados e satisfeitos, resolvemos partir. Deixar a Vila
das Araras. Gostaríamos de ficar mais, desfrutar de
toda aquela solidão e beleza. Não éramos,
Guimarães Rosa, infelizmente, que teve condições
e inteligência, para desfrutar e entender em profundidade
o sertão, ouvir suas vozes, observar suas sombras e
criar em suas personagens o verdadeiro espírito do
sertanejo&jagunço.
CHEGADA NOS VÃO DOS BURAQUINHOS.
.
Nesta fotografia, após viajar 30 km, estamos chegando
ao famoso Vão dos Buraquinhos, um lugar muito importante
e maravilhoso. É um cânion do Rio Pardo. Nesta
vereda moram numerosas famílias, incluindo uma comunidade
de casa de farinha.
Esta é uma fotografia feita com a filmadora, não
tem muitos detalhes mas, nos dá uma idéia panorâmica
do Vão dos Buraquinhos (Ver esquema do GPS na página
36). Na realidade seu cânion se estende até a
Serra das Araras, tendo mais ou menos 40 km de comprimento.
Segundo Sr. Zé Bandeira, os jagunços andavam
por todas estas regiões, pois aí encontravam
água, animais para caça e um povo indefeso que
faziam tudo que eles mandavam.
Uma fotografia, também com a filmadora, do Vão
dos Buraquinhos, mostrando a vereda do Rio Pardo. Os buritis
restantes, mostram onde passa o rio. Depois de tantos anos
de corte indiscriminado, são poucos os sobreviventes.
Os ecologistas, e guardas florestais estão fazendo
um grande esforço para impedir que os últimos
buritis sejam cortados. Somente suas sementes poderão
um dia recompor de forma efetiva a beleza desta vereda.
Uma filmagem mostrando os limites do Vão dos Buraquinhos.
Toda esta visão nos dá uma idéia de profundidade
da região. Parece que estamos em um pequeno avião
flanando por este cânion. O vento, criando sons graves
nessas encostas, os pássaros piando por todos os lados
e a luz da tarde anunciando a noite distante nas alturas mas,
presente nas encostas voltadas para o nascente.
Natureza! Natureza sinto seu silêncio como um grito
de alerta! Nas paredes destas vertentes você conta sua
história, nos buritis ausentes você mostra sua
mágoa e chora lagrimas nas erosões de suas terras
que hoje correm sem destino entulhando, rios, portos e canais.
Não me alegrei muito com o que vi. Das descrições
do passado, a imagem do presente é uma caricatura do
foi. No passado os buritis, enfileirados, uns após
outros, como balizamentos vivos de veredas exuberantes. As
terras de aluvião, mostravam o verde e nutritivo capim
Jaraguá, o Mimoso, onde os herbívoros se nutriam
trazendo vida às veredas.
Hoje o que estamos vendo? Amostras de buritis restantes da
volúpia dos homens. Barrancos erodidos entupindo rios.
Nascentes desprotegidas de sua vegetação, a
água que evapora, reduz o manancial, os rios vão
secando, minguando. Onde se navegava, hoje se passa andando.
Os barcos sumiram, os peixes se foram, até quando o
homem ficará na Terra?
Deixa estas tergiversões para lá, vamos aproveitar
o presente, esquecer o futuro, pois não temos poder
para nada, a não ser falar.
Como terminei o parágrafo anterior, em meditação,
vamos mudar! Fomos para o boteco da comunidade tomar umas
cevas. Estamos em frente ao bar, está fechado pois,
é muito cedo ainda. O dono do bar chegou, abriu a porta
e disse: Acabou a cerveja! Só tenho guaraná
e quente!
Os companheiros abaixaram a cabeça e fomos mais adiante
onde estavam todos na Casa de Farinha, trabalhando.
Pelo jeito da placa comemorativa, presume-se,
ela não é muito nova, mas foi uma idéia
que está funcionando muito bem. O Projeto tem por objetivo,
como diz a placa de: Propiciar um Desenvolvimento Sustentável
do Entorno do Parque Nacional Grande Sertão Veredas.
O que isto significa?
Segundo o guia: As comunidades, ou melhor, todos os moradores
do Parque e regiões limítrofes a ele, para sobreviverem,
tinham sempre uma atitude de agressão à natureza.
Como por exemplo: Caça; pesca predatória (redes,
espinhéis, armadilhas); cortavam os buritis (para fazerem
de tudo - Casa, currais, mangueiros, etc); punham fogo na
pastaria, não respeitavam a mata ciliar. Assim para
viverem iam destruindo, não mantinham o equilíbrio
ecológico, que os índios da região mantiveram
por séculos.
Para evitar esta depredação, foram instruídos,
alfabetizados e organizados em cooperativas.
Segundo o guia as coisas estão se encaminhando, mas
como sempre o governo não tem cumprido seus compromissos
de maneira satisfatória. Mas, indiscutivelmente, já
é um começo.
Aí está a produtividade da Casa de Farinha.
São famílias numerosas, 10 filhos em média.
Estão presentes todos nas atividades do dia, aprendendo,
não apenas fazer a farinha, mas sim absorvendo uma
filosofia de vida. São as avós, filhos e netos,
participando. É muito bonito o espetáculo.
Na primeira fotografia já vemos um progresso, é
um pequeno motor estacionário à gasolina que
gira a moenda para ralar a mandioca. Na segunda, em um cocho
de madeira, onde homem cuidadosamente enrola a farinha em
um saco, para ser prensada e retirar a água da massa
moída da mandioca.
Esta é a prensa primitiva, mas muito bem idealizada,
espreme a “pasta” com uma força incrível expulsando
praticamente quase toda a água. Na realidade consta
que o que saí é uma solução tóxica.
Se alguém bebê-la pode morrer intoxicado, isso
é válido também para os animais.
Este é um detalhe do cocho onde a pasta está
sendo prensada, e a tábua com sulcos para recolher
a solução tóxica. A força aplicada
deve ser muito grande, pois alem do longo braço da
alavanca eles usam uma roldana grande para puxar a alavanca.
Quando a força é aplicada as madeiras rangem
pela pressão exercida.
Achei o olhar da menina, nos vendo, admirado. Uma expressão
extraordinária, o irmão ressabiado desviando
o olhar. Crianças, nosso futuro, nossa esperança!
Os pais delas, quando conversamos, sobre o futuro, também
se preocupam. Não somente põem os filhos no
mundo, hoje eles estão apreensivos sabem dos problemas.
Sinceramente acham que o atual presidente Lula, será
o melhor entre outros, mas imaginam que os políticos
são “ladrões”, mas não sabem de outra
saída.
Nestes confins de Sertão. O que falar destes olhares.
Que respostas teríamos para o futuro. “Guimarães
Rosa, já conjeturava, a mais de 50 anos atrás,
caminhando por estes vazios, na voz de Riobaldo: “ Será
vã nossa luta. Estudar e saber das coisas para que?
Se quem manda, sempre, é o mais forte. “Vou me juntar
a Medeiro Vaz é melhor ser jagunço”.
Os pais destas crianças têm no coração
esta idéia, mas os jagunços de hoje têm
outros nome.
Riobaldo completa, “sertão é onde manda
quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando
vier, que venha armado!”
Quando saímos da cidade, Chapada Gaúcha, compramos
um saco de 20 pães para comermos na viagem, caso não
tivéssemos alternativas. Tivemos! Assim além
da cesta básica demos os pães para as crianças,
foi uma festa. Fizeram uma fila e um adulto repartiu o pão
na verdadeira acepção da palavra.
Marcelão olímpico quis ir nadar no Rio Pardo
com o guia. Deu o espetáculo, filmado pelo Fábio.
O ambiente era convidativo, se o sol não estivesse
de partida, creio que também teria animado em brincar
nestas praias.
Salto olímpico do Marcelão: Veio correndo deu
pirueta e quase perdeu o calção. Belo espetáculo,
registrado pelo Fábio, a pedido do próprio Marcelo.
Depois do susto que o Marcelão deu, tivemos que nos
acalmar despedindo da região.
Rio Parto, corre limpo e manso esculpindo o Cânion dos
Buraquinhos. Pode-se ver como a água é limpa,
tudo é harmonioso, o rio de indescritível “personalidade”,
os pássaros cantando e chamando os companheiros para
o pouso. Uma suave brisa passando pelos grotões emitia
um som grave, como se estivessem despedindo do dia que findava.
Neste ponto também nossa viagem estava terminando.
Sinto nitidamente quando ao final de uma viagem ela termina
para mim. Desliga o imaginário, os sonhos e volto a
realidade. Retornam a mente os numerosos envolvimentos e compromissos.
É triste! Mas, necessário, para idealizarmos
um novo passeio.
O Zelão foi para Chapada Gaúcha,
para as últimas cervejas das férias. Não
quis ao Rio Pardo.
Quando eu comecei subir as íngremes trilhas da saída,
continuei me desligando de tudo e pensando na volta. Lembrei-me
da netinha Helena e comecei me entusiasmar para o retorno.
À volta.
Eu e Fábio já estamos com a caminhonete pronta
para a saída. O Zelão está saindo do
estacionamento para carregar e partirmos. Devido à
poeira que é incrível neste trecho de estrada
sairemos um pouco antes dele.
Retão de terra, grossa camada de poeira, que tingia
as árvores de vermelho, caminho de Arinos. Já
havíamos percorrido 30 km de estrada, e estávamos
como Riobaldo, em o Grande Sertão : Veredas, vendo
o lugar da saída e esperando o lugar da chegada. Pusemos
as máquinas para andar. O caminho transformou-se em
um túnel a ser percorrido. O GPS no “track bak” mostrava
a rota, as distâncias e os tempos.
Aceleramos fundo para ver os números abaixarem...
Aí está a tela do GPS276C
do momento que saí dos Vão dos Buraquinhos até
em minha casa. Como andamos muito devagar nas trilhas, a velocidade
média ficou muito baixa 45,8 km/h. Andamos 140 km nas
trilhas, o restante 1.140 km foi a distância da volta
da grande viagem ao Grande Sertão Veredas.
Nas trilhas e no trajeto de volta, somando todos os tempos
de deslocamentos, gastamos 19h 58m. Na viagem gastamos de
Chapada Gaúcha a Ribeirão Preto, 11h 45m. Nos
retões das boas estradas, chegamos a rodar, horas,
a média de 130 km/h. Em Unai paramos para almoçar,
depois viemos direto até em casa. A velocidade máxima
que pegamos foi de 148 km/h.
No “track back”, melhor dizendo no trajeto marcado no percurso
da ida, e que nos orientou com absoluta precisão nossa
volta, como mostraram as figuras do GPS, nas páginas
das figuras anteriores, o aparelho marcou 330 pontos.
Andamos sempre no Planalto Central Brasileiro a uma altitude
de 598,4m que para o relevo do Brasil é uma altitude
significativa.
Quando entrei na garagem de casa, ao desligar o motor da S-10,
pensei:
- Bem minha próxima viagem será ao Pantanal
onde pegarei o barco (Shekinah).
Continuar sonhando sempre, nos estimula trabalhar, viver e
envelhecer com dignidade. O GPS276C MARCA EXATAMENTE, (PM) 08:04:36; DIA 22
DE AGOSTO 2006.
Hoje, terminei a escrita desta memorável viagem.
Ribeirão Preto, 27 de Setembro de 2006.
Sérgio N. M. Lima.
Fotos da novela da rede Globo que muito
bem retratou o Romance de Guimarães Rosa.
Grande Sertão: Veredas.
O jagunço Riobaldo, depois Urutu-branco, quem conta
a história para o compadre Quelemem, muito bem interpretado
por Tony Ramos.
Diadorim, interpretada por Bruna Lombardi.
É o centro também da história, pois Riobaldo
é apaixonado por “ele” e pensa em se matar por estar
apaixonado por um jagunço. Somente no fim da história
quando Diadorim é morta é que descobrem que
é uma mulher.
Bando de jagunços cruzando uma vereda depois do Rio
Urucuia, em busca de Ricardão na Baía.
Estes episódios da novela foram
muito felizes, e feitos baseados fielmente, tanto quanto possível
no romance. Tomei gosto em conhecer a região, deste
o tempo em que assisti à novela da Rede Globo. Valeu
a pena!