VIAGEM
A SERRA DA CANASTRA:
Delfinópolis, São José do Barreiro, Cachoeira
do Quilombo, Delfinópolis.
12-08-2005.
Grupo liderado pelo Dr. José
Merli: convidados de São Paulo Companheiro Rogério
e amigo, Sergio Lima, Jair, José Merli, Daniela e filhinha
Isabela e a prima Natália, Dr. Mário Rodella,
esposa Dra. Viviane e filhos, Dr. Vaz e Dra.Cecília
e filho Lucas, Marcelo e Elias. ´
Esta fotografia do grupo foi tirada
por mim no alto da trilha do céu, uma das mais lindas
paisagens existente, pelas centenas de caminhos que cruzam
a grande Região da Canastra. Ao fundo vemos a imponente
Serra Preta. O grupo esta olhando para a distante e azul represa
de Peixoto, um panorama também inesquecível.
ONDE ESTAMOS, PARA ONDE FOMOS: O complexa da Canastra.
Esta fotografia do satélite
é bastante importante, pois, nos dá uma localização
geral do Complexo da Canastra. Quando caminhamos pelas trilhas,
não resta dúvida, ficamos um pouco desorientados,
esta fotografia para mim deu melhor sentido de direção
de nossas andanças por todas aquelas regiões.
Neste mapa podemos seguir o caminho que
percorremos:
1. No início saímos com o rumo de Noroeste(NW),
paralelo à represa de Peixoto, margeando a Serra Preta.
2. Depois subimos a Serra Preta, onde é a Trilha do
Céu (tem fotos), andamos até o fim desta serra,
que termina em uma Igrejinha (tem fotos). Distância
mais ou menos uns 20km.
3. Depois atravessamos o vão da Babilônia e pela
subida da Pedra Branca chegamos a ao famoso:
4. Chapadão da Babilônia, aí invertemos
o sentido do deslocamento, para sudeste (SE), caminhando uns
18Km paralelos ao deslocamento da trilha do Céu.
5. No 2/3 final do Chapadão da Babilônia pegamos
a direção Norte, rumo a Casca D`Anta. Se continuássemos
na mesma direção sudeste (SE), chegaríamos
ao fim do Chapadão na Descida do Rolador.
6. Para o norte (N), depois de uns 15Km, chega-se ao limite
do Chapadão da Babilônia, na Igrejinha da Cascata
(tem fotos), no Vão dos Cândidos. A Oeste está
a Calha do Rio São Francisco que segue a sudeste (SE),
paralelo à Serra da Canastra até a cidadezinha
de São José do Barreiro, nosso destino deste
dia.
7. Da Igrejinha da Canastra à São José
do Barreiro tem mais ou menos 15Km. Aí chegamos ao
destino. Que para muitos era o Bar do Mazico.
Bem o outro dia é outra história.
Em uma fotografia de satélite. Podemos
constatar, as dificuldades que seriam dizer que se conhece
muito bem a região. Quantos meandros existem? Quantas
furnas entrecortadas de ravinas e paredões abruptos
inacessíveis a todos nós. Provavelmente existem
grotões conhecidos apenas pelos moradores da região.
Estas serras, têm várias divisões, espinhaços,
vales, cada lugar deste recebe um nome específico e
regionalista. Por exemplo: A Serra Preta, ao norte de Delfinópolis
é composta de no mínimo 4 Chapadões,
cada um no local recebe um novo nome. Por exemplo, da pousada
da Regina, vê-se uma maravilhosa serra, que ela não
chama de Serra Preta.
Conhecemos as trilhas e imaginamos paisagens longínquas,
caminhamos por terras longe, marcamos nossos passos, mas quando
comparados ao vazio de nosso conhecer, temos ainda muito que
andar.
Acho que assim é nossa existência, por mais intensa
que seja, nossa passagem por aqui, seria ainda um traçado
indelével no grande mapa do tempo.
Introdução.
Essa viagem foi organizada, como sempre, pelo meu preclaro
amigo Dr. José Merli. Ele sempre foi um líder
inquestionável, assim, um convite seu é sempre
uma honra para todos e a certeza de: alegria, companheirismo
e aventura.
Para uma viagem desta com um ATV tem que haver preparação:
Ver se a máquina está em dia, as roupas, as
capas, pois o clima naquelas alturas quase sempre é
instável e já tivemos surpresas desagraveis
por lá.
Em minha última viagem de Ribeirão Preto para
a fazenda com o ATV, depois de Casa Branca, quando um “ bigato”
mexeu em minha tralha no suporte do bayau, eu perdi, lamentavelmente,
minha mochila nova com a capa completa de chuva que a Carol
havia trazido para mim do Canadá, uma perda irreparável!
Tive rever e recompor meus equipamentos para chuva e frio
para essas viagens e para as pescarias.
Aí estou com minha netinha
Helena. Ela está fazendo um teste prático em
meu “Camelback” que eu ganhara da Cristina e Marcelo no dia
de meus 65 anos de idade. Espero ter saúde para usá-lo
por um longo tempo ainda!
Acredito que Deus nos dando saúde, a idade cronológica
é um parâmetro a ser respeitado, mas a alegria
de viver não depende dele. Diria que este sentimento
está relacionado com nossas realizações,
nossa alma limpa por nunca ter feito o errado e o coração
cheio de amor para dar, aos familiares, aos amigos a todos
em fim.
Saída de Ribeirão
Preto, as 15:30 do dia 11-08-2005.
Estamos no posta da saída, onde esperei
o Elias, ele teve um problema com parte elétrica da
carreta e se atrasou um pouco, o que é raro. Ele está
com uma Parati e eu com uma Quantum, puxando as carretas.
Aí estão os dois ATVs, prontos
para o que der e vier. É inacreditável o que
estas máquinas são capazes de fazer. Para agüentar
o piloto têm que ser realmente resistentes e suportar
a borduna que o Elias desce sem dó. Nesta viagem o
ATV dele deu três ou quatro cambalhotas no morro do
Almoço, e saiu andando. Incrível!
Chegamos a tempo de assistir este belo espetáculo
da natureza. O por do sol na represa de Peixoto, durante a
travessia da balsa. Como sempre digo, o Brasil é riquíssimo
em belas paisagens, em momentos maravilhosos, basta saber
olhar. Somente eu e Elias, descemos do carro para apreciarmos
embevecidos estes momentos, onde a noite mansa e suavemente,
empurrava o sol no poente. O astro que parte, deixa para traz
quadros de beleza indescritível onde se mesclam: luzes,
cores, sombra e escuridão.
Momento da transição,
o ATV do Elias na carreta da Parati e o meu na Quantum. A
travessia infelizmente foi muito rápida, não
deu para curtir aqueles instantes. A segunda fotografia, a
saída da balsa, uma correria, parecem animais quando
se abre “o curral do conselho”.
Um fato incomum nos aconteceu, ao atravessarmos
a represa para Delfinópolis o sol sumiu no horizonte,
as águas ficaram turvas, parecia noite, pode-se constatar
o fato pelas fotografias tiradas. Quando chegamos na pousada
nos pareceu que o sol voltou, o dia ficou novamente claro,
o céu de um azul imaculado. Eu e Elias descarregamos
rapidamente os ATVs, pois ainda queríamos sair para
trilhar. Na saída encontramos a Regina, minha cliente,
nossa amiga e dona da pousada. Ficamos conversando um pouco,
nos pareceu quase nada.
Quando pegamos novamente os ATVs já era noite, havia
estrelas e planetas como pontos límpidos e luminosos
na abóbada celeste, incrível esse fato. Eu e
Elias ficamos estupefatos pela relatividade do tempo, quando
estamos passeando, descontraídos, longe de celulares
e de trânsito.
Já era hora de jantar, felizmente achamos um restaurante
muito simples, mas que nos serviu uma excelente comida mineira:
Arroz, feijão, abobrinha, quiabo, ovos fritos, lingüiça
e carne de leitoa assada (o quartinho traseiro), feito no
forno de lenha. A hospitalidade mineira é inquestionável.
SAÍDA
DIA 12-08-2005. Os preparativos no posto de gasolina:
Os três grandes motoqueiros:
Felipe, Marcelo e Dr. Mario Rodella.
Elias com os bons companheiros
de São Paulo com seu TR-4, O Rogério e seu simpático
companheiro de viagens Ricardo. Nestas horas parece tão
bom encontrar os velhos companheiros de trilhas, renova-se
o espírito da aventura, do coleguismo e percebe-se
como o homem vive muito melhor quando cultiva seus sentimentos
e suas aspirações em harmonia com outras pessoas.
O grande organizador Dr.
José Merli, com sua especial Nissan. Todos estávamos
prontos, faltava o comando do Chefe que estava esperando o
alinhamento dos trilheiros e com muito cuidado, pois nesta
trilha sua filhinha estava junto com o pai. Com certeza ele
se sentindo mais que nunca responsável pelo desempenho
da caravana.
Momento de ternura. Isabela
é uma criança muito linda e feliz. O vovô
coruja não sabia, na loja de conveniência, o
que fazer para agradar mais a netinha! Nós vovôs
somos assim mesmo, derretemos. É somente olhar para
o Sr. Jair e ver a cara de deslumbramento e satisfação.
A linda moça da fotografia é a Natália,
prima da Daniela.
Não atrasamos muito para sairmos,
desta vez! Logo todos ficamos prontos e partimos, rumo ao
norte.
Primeira fotografia da trilha logo depois
da subida do Claro, a uns 5Km da estrada de Delfinópolis.
Aí estamos subindo para a trilha do Céu. Estava
com muita saudade destes lugares. Infindáveis serras,
subidas se perdendo em curvas íngremes, a poeira do
caminho traduzindo séculos, de rodas de carroções
e cascos que por ali passaram, em um caminhar lento de dias
e dias de marcha.
A vegetação, de pequenas árvores retorcidas,
de casca grossa e folhas enceradas. A arnica, o barba-timão,
a fruta do lobo e o capim tipo barba-de-bode, isso são
os chapadões da região.
Primeiro parte as subida da Serra
Preta. Mostrando um lindo vale entre a Serra Preta e a baixada
que termina na Represa de Peixoto. Ao longe podemos ver a
trilha por onde nós passamos, um lugar maravilhoso
para se fazer trilhas e admirar paisagens exóticas.
Ponte depois da Fazenda onde passamos um
riacho, logo a frente começa a subida propriamente
dita da Trilha do Céu. O Rio Bateinha começa
aparecer a direita desta subida?
Início da trilha do
Céu, o lugar onde o Marcelo subiu de moto por esta
trilha que sai aí pela esquerda e nos encontrou lá
em cima na frente? É uma trilha própria para
ser subida por cabritos com ferradura e loucos de moto.
Parte já alta da trilha do Céu,
no vale formado pelo famoso Rio Bateia, no funda a Serra Preta.
É uma região maravilhosa, e sempre que passamos
nesta trilha paramos aí para fotos e confraternizações.
Como se sabe bateia é uma gamela que se usa para garimpar
ouro e diamantes nos rios. Pode-se ver ao longo deste rio,
os sinais que ficaram, de tempos passados, da atividade de
faiscadores a cata de diamantes. Isso ocorreu há mais
de 3 séculos, os sinais presentes são quase
indeléveis mais estão lá. Os principais
são: As barrancas dos rios sem suas camadas sedimentares
originais, toda margem foi virada e revirada; a mata galeria
dessas veredas há muito não existem mais. Os
rios que corriam em meandros já não têm
mais seu curso primitivo.
No Rio São Francisco, ainda se vê entre, São
José do Barreiro e Vargem Bonita montes de terras revoltas
nas curvas do rio, trabalho dos garimpeiros, que até
pouco tempo ainda procuravam diamantes na região. Hoje
esta atividade é proibida em todo complexo da Canastra.
Naqueles tempos, descreve Mario Palmério, em seu livro
No Chapadão do Bugre, estes imensos chapadões
e veredas eram regidos pela lei dos mais fortes. A lei era
o Trabuco, o Bacamarte e os afiados punhais de Damasco.
Hoje estes rios correm mansos, mas em tempos idos suas águas
eram turbulentas e por vezes tingidas de sangue.
Deixemos o passado sepulto e vamos ao presente,
de aventuras e alegrias.
Aí está o mestre José
Roberto com sua companheira e a linda filhinha, ao lado está
a Natália.
Início oficial
da Trilha do Céu. Eu e Elias, os dois dos ATVs, na
outra foto todo o grupo reunido antes de reiniciarmos a trilha.
Estes são momentos mágicos. Saímos de
Delfinópolis com o espírito ainda carregado,
tenso e ansioso. Parece que algumas coisas não vão
dar certas! Alguma moto vai quebrar, não sei bem definir
esse sentimento. Mas, quando paramos neste ponto, nos despimos
de todas essas ansiedades e expectativas, parece que o grupo
se aglutina, o pensamento é como fazer a trilha com
a maior emoção possível. Não nos
preocupamos com o tempo, queremos ver o que tem para frente,
cada curva uma emoção, cada descida esburacada
uma aventura, cada passagem uma conquista. É o espírito
do trilheiro&aventureiro.
A 10Km à frente vi esta paisagem,
tão linda em sua agressiva aparência, pelo que
ela nos conta. Não resisti, parar e fotografar.
Terra ressequida e queimada. A seca exaure toda a água
do pedregoso e ácido solo. Nas baixadas e vales onde
os moradores criam o gado as pastagens desaparecem em uma
canícula que se ressecam ao sol, no período
das secas. O gado no vales não têm mais o que
comer.
Então os moradores, seguindo as técnicas de
seus ancestrais colocam fogo nos espinhaços (serras)
e levam o gado para lá. Aí o milagre do capim
nativo ocorre, principalmente o barba-de-bode. Não
se sabe de onde tiram energia e soltam uma brotação
verde e muito nutritiva, que mantêm o gado durante todo
período da seca. Vi numerosos rebanhos pastando, no
negrume do carvão das queimadas, pastando os ralos
brotos verdes da vida no Complexo da Canastra. É verdade
que a média é de ½ cabeça de gado
para cada alqueire mineiro.
Aí está nosso comboio. Segue
lento pelas trilhas, saboreando o ar puro das alturas (1380m),
as belezas da paisagem e desviando dos buracos e pedras.
Fiquei parado no meio do capim para tirar esta fotografia
e não sei porque me veio à mente um verso famoso
“ Os cães ladram e a caravana passa...”
A esquerda desta fotografia tem uma passagem
particularmente difícil, enquanto esperamos os veículos
manobrarem na passagem pelas erosões, fotografei a
distante imagem do famoso Morro do Almoço. Imagino
em tempo idos, os jagunços, os aventureiros, os catadores
de diamante cruzando essas paragens infindas. Os cavalos deviam
resfolegarem nestas íngremes subidas, soltavam-se as
ferraduras, escorregavam nas pedras sobre o peso das bruacas
cheias. A sede e a fome deviam ser companheiras constantes
nestas sucessivas veredas e chapadões. Deste ponto
até a região de Araxa, Diamantina, Chapadão
do Bugre e os grandes Sertões eram meses de árduas
caminhadas... Na maioria das vezes iam com carregamentos de
sal.
Morro do almoço. Quantas recordações
deste lugar. Acredito que fomos uns dos primeiros a subir
este morro. Neste primeiro dia o Fabião levou um belo
tombo subindo pela sua encosta, e Gege (papai) ficou preocupado
de seu filhinho ter machucado...incrível como o tempo
passa.
Desci para me encontrar com o Elias e ainda
deu tempo de fotografar o grupo distante lá no alto
do morro. Na subida da segunda foto o Elias deu um triplo
mortal com seu ATV.
Ainda bem que ele pulou fora e o ATV não se desintegra
fácil, pois é a segunda vez que isso ocorre.
Eu não tive coragem de tentar subir. Em outra ocasião
o Dr. José subiu esta trilha com a minha Cherokee.
Esta é uma das visões extraordinárias
do final da Serra Preta, vendo o início do Chapadão
da Babilônia. Subimos nele bem mais à frente,
pela subida da Pedra Branca.
Estas matas que acompanham os riachos de pequenas ou grandes
nascentes de água são chamadas de Veredas, onde
crescem os buritizais, (Guimarães Rosa), rodeados de
sapé, infelizmente nas veredas da Canastra os buritizais
já se foram: transformaram-se em: currais, cercas,
lascas e tudo mais que os antigos moradores precisavam construir.
Depois de contornar uma encosta de trilha
bastante ruim, tivemos uma visão maravilhosa da subida
da Pedra Branca, no Chapadão da Babilônia, esta
chapada termina na subida do Rolador em São José
do Barreiro. É uma região incrível, de
contrastes múltiplos. Faz 10 anos que andamos por estas
trilhas, cruzamos os chapadões, desviamos de seus grotões,
escutamos suas lendas, mas ainda temos muito que ver e conhecer...
Este “Sertões das Gerais” guardam numerosas hist
Logo à frente deste ponto
encontramos um verdadeiro assassinato, um crime ecológico.
Caçadores assassinos, bandidos mesmo,
mataram este maravilhoso e raro exemplar de Tamanduá
Bandeira, apenas com intuito de retirarem sem rabo (a bandeira)
para a venda como um raro exemplar. O crime havia ocorrido
a pouco tempo, o sangue brotava da amputação,
o animal ainda não apresentava rigidez cadavérica
e os abutres ainda não o havia localizado. Foi a única
sena deprimente de toda nossa trilha no complexo da Canastra.
Eu, Elias e Marcelo paramos esperando os
companheiros descerem uma trilha de grande dificuldade, aproveitei
para tirar esta importante fotografia do início do
Vão da Babilônia, que se perde na bruma seca
das distâncias da região.
Esta é passagem bem difícil
que me referi. Praticamente esta descida simboliza o fim da
Serra Preta e da bela Trilha do Céu.
Essa Igrejinha é um marco em
nossa rota, ela fica no final da Serra Preta. Tornou-se quase
uma parada obrigatória para mim, pois o caminho que
sai pela sua frente, subindo pela trilha do Céu, praticamente
desapareceu, estava ficando tão ruim que há
tempos cheguei tombar (de leve) meu ATV na subida, e tive
que me virar sozinho, pois meu companheiro esta “batizando”
a referida capela.
Com a chegada do Dr. Rodella, aproveitamos
para fixar aquele momento. Não sei o por que? Pergunto-me?
Qual o verdadeiro significado desta capelinha? É tão
importante para mim, que chegar aí, é como ter
conquistado uma meta. Já passamos aí, tarde
da noite, com chuva forte, cheios de dúvidas e emoções.
Buscando novos caminhos, passando por um riacho, que com a
chuvarada era um rio. O Fernandão, meu sobrinho, acelerou
forte no Rio, e errou a estrada, quase saiu com uma cerca
e uma vaca no peito e se espatifou no barro, no escuro da
noite. E grita:
--Acode aqui, Má! A moto esta em cima de mim!
São tantas as lembranças, que partem deste lugar...e
elas continuam.
Depois da porteira da Igrejinha,
avista-se, mais perto, a famosa subida da Pedra Branca. Em
1994 com uma D-20, preta, nova, sem tração,
incentivado pelo arrojado e destemido GeGe, meu irmão,
tentamos subir aí, com chuva. Bem não conseguimos
subir mais que 100m, e o mano gritava:
-- Vai, meu irmão que dá...
O motor urrava, os pneus já cheiravam queimados. Ele
insistia:
-- Vai, meu irmão que dá...
-- Vai que dá é para cairmos lá no despenhadeiro.
Você é louco GeGe.
-- Eu sou louco! Mas você é frouxo, meu irmão,
se sou eu...
Votamos, para encravar lá no fundão do Vão
da Babilônia. É a aventura!
Saímos da igrejinha, todo o comboio
junto, como sempre eu fiquei o último da fila. Logo
que passamos um sítio, 3 Km à frente encontrei
o Dr. Rodella, andando com a moto muito devagar, quase parando.
Vi que não era normal. Cortei a macha, fiquei na observação.
Ele não saia do lugar. Aproximei-me com calma, pois
não tenho muita intimidade com o companheiro.
--Não sei o que está moto tem, não anda.
A roda da frente está travada, não gira.
Tentei virar a roda, mas realmente o freio estava travando
o disco. Não conseguimos nada.
Dei um gás no ATV e fui encontrar o comboio já
subindo a Pedra Branca. Todos pararam e o Marcelo solícito
voltou comigo para darmos um recurso para o doutor.
Com muito sacrifício a roda soltou um pouco, mas o
doutor não conseguia pilotar a moto. O Marcelo cedeu
a moto dele ao doutor, que partiu. E o Marcelão arrancou
no último esforço com a moto travada.
Passamos pelo sítio de Zé Queijeiro, onde Elias
com um cano longo tentava levantar o “chifre” de seu ATV.
Que havia ficado meio escorneado nas piruetas do morro do
almoço. Neste ponto tenho que elogiar meu companheiro
de quadricíclo, ele manda ver mesmo com sua máquina,
não tem medo de nada, anda junto com as motos sempre
com o dedão no “talo”.
Fui acompanhando o doutor, depois
de uma das primeiras e íngremes curvas da Pedra Branca,
a moto dele escorregou em uma erosão e ele tomou chão.
Eu o ajudei e dei sinal para os Jipes que vinham atrás
pararem, pedimos recurso.
Aí todos são solícitos, o doutor não
agüentava mais e pediu ao nosso nobre companheiro Dr.
Vaz que tocasse para ele.
O doutor ficou meio constrangido, pois estava inaugurando
sua nova L200, linda por sinal, mas depois umas desculpas:
que estava sem botas, sem capacete, sem vontade, etc. Não
teve jeito, largou o conforto da L-2000 para encarar a moto
que não estava lá muito boa, não tinha
fluído de freio do sistema e as vezes a roda travava.
Companheirismo é assim.
Ao final da grande subida da Pedra Branca, encontrei o Elias
sentado em uma pedra, esperando a caravana que havia demorado
muito devido ao entrevero do doutor. Parei, e sentei-me também.
Os companheiros passaram e seguiram caminho.
A vista neste lugar é magnífica. Os vales perdem-se
nas brumas das distâncias. Uma suave brisa resfriava
os motores dos quadriciclos, que estalavam ao se contraírem.
Conversamos um pouco, amenidades.
O Elias, depois que o comboio sumiu no horizonte partiu.
Eu distraído com o extraordinário lugar deixei-me
ficar por mais um pouco de tempo. Neste lado do Chapadão
da Babilônia, onde eu estava, uma corrente de ar ascendente,
propiciava a um bando de abutres, voarem em círculos
para ganharem altura e planarem pelas queimadas do Complexo
da Canastra em busca de numeras carcaças de animais
mortos pelo fogo. Fogo este que havia calcinado milhares de
hectares por toda a região.
Esta época é uma festa para todos os carniceiros
da região: Urubus, caracarás, urubu-rei, cabeças
secas entre outros menores.
A trilha deste ponto para frente é
um convite a maiores velocidades, tirando uns “arrepios” de
pedra o resto é uma reta só. A trilha está
a 1350m de altura.
Tinha ficado muito para trás. Montei no ATV e acelerei
com gosto. É uma sensação extraordinária,
cruzar aqueles campos como se estivéssemos em um tapete
voador. O barulho do vento no capacete não nos deixa
ouvir o barulho do motor. O sentimento é de flutuar
pelo chapadão da Babilônia, sem ninguém
pela frente e nada ficando para trás.
Incrível este pedaço de trilha, uns 20Km, temos
pressa de correr, mas não queremos chegar. É
como nossa própria vida, temos ânsia de viver,
mas não queremos nunca chegar ao destino de nossa existência.
O ATV correndo levantava um canudo de poeira por onde passava.
O chão ressequido, se transformara em uma camada funda
de terra pulverizada, que se erguia aos céus com a
passagem dos veículos.
Não sei quanto tempo corri. Não me lembro quanto
agradeci por estar ali naquele momento usufruindo aquela aventura
de viver tão intensamente, o chão passava por
mim como uma esteira marrom com curvas suaves e ondulações,
que as vezes faziam o ATV dar pequenos pulos como se estivesse
em câmara lenta.
Sabia que na encruzilhada próxima, a 20 Km, teria que
pegar a esquerda, pois se continuasse à direita sairia
na descida do Rolador.
Quando vi, bem ao longe nuvens de poeira subiam aos céus.
Indício, os amigos estavam próximos!
Isso me tirou dos sonhos e aqueceu meu coração,
é bom sentir-se sozinho nestes fins de mundo por um
certo tempo, depois...é melhor ainda ver os amigos
na trilha.
Sabia que teria que pegar a esquerda na próxima encruzilhada,
para ir para a Casca D`Anta e a Igrejinha da Cascata. Esta
é uma bifurcação famosa no Chapadão
da Babilônia. Se tomarmos a trilha da direita sairíamos
na descida do Rolador.
No íngreme Grotão da Porteira, uns 5Km após
a bifurcação, encontrei os jipes descendo pela
ribanceira, é um lugar de se tomar cuidado, pois a
trilha pode oferecer risco de acidente. Nos dias de chuvas
fortes, corre um verdadeiro rio no fundo desta gruta, dá
até medo. Já passei aí com um temporal.
Até acredito em tempos passados, havia um riacho perene
passando por esse vale, tal é o grau de erosão
que existe.
Depois de 15Km, mais ou menos, chegamos na Igrejinha da Canastra.
Estamos na Igrejinha da Canastra. Eu, Elias
e Marcelo. As nossas costas a imponente Serra da Canastra,
nascedouro do grande Rio São Francisco, não
se vê o Casca D`Anta, neste ângulo da fotografia,
ela está a esquerda . Bem ao longe a direita São
José do Barreiro. Este lugar é muito representativo
para todos trilheiros, poderia ser considerado o Centro Geográfico
da região.
Já passamos parte de noites estreladas, de céu
imaculadamente limpo, vendo as constelações.
Alguns jatos comerciais também cruzaram o espaço,
nos dando uma noção de profundidade do espaço
infinito. A esperança era vermos um ÓVNI, mas
naquela noite não tivemos esse privilegio.
Eu, Elias, Dr. José Merli com sua
preciosidade a Isabela. Uma vista bucólica da paisagem.
Repito, este lugar é um marco para todos nestas cercanias.
Agora até bar existe aí, esta fotografia eu
tirei estando na entrada do referido estabelecimento. Esses
bares, esses confortos, esse mundo de gente a trafegar por
essas trilhas, segundo o GeGe é o fim das aventuras
por esses lugares. Temos que procurar outros, mais distantes,
agressivos, selvagens e com novos desafios.
Respeito muito a opinião de meu irmão, contudo,
os ambientes desses lugares para mim ainda representam uma
volta ao passado e um passo à aventura.
As pessoas da região chamam esta parte da Igrejinha
da Canastra de Morro do Carvão.
Saímos da Igrejinha e uma parte da
caravana foi para São José do Barreiro, outra
maior, foi rever a cachoeira da Casca D`Anta, por sinal é
sempre um belo e inesquecível passeio.
Esta fotografia foi-me enviada pelo amigo
Rogério. Por sinal uma inesquecível recordação
de todo o grupo na Cachoeira, desta área de estacionamento
até a queda de água tem uma bela caminhada morro
acima. Em uma ida nossa, o doutor José, Marcelo e Elias
se não me engano, desceram a pé lá do
alto da Serra até este pátio, são uns
8Km. É preciso ter muito preparo físico, mas,
segundo os esportistas vale a pena.
Por falar em desafios, aventuras, aí
está, o ATV do Elias com o cabo do acelerador solto.
Marcelão deitou na poeira, achou o lugar do encaixe,
queimou a mão. Precisava esperar o motor estar frio.
O Elias, louco por uma cerveja gelada, com a mão mesmo,
foi acelerando, não sei como o quadricíclo até
São José do Barreiro.
Chegando na cidadezinha, abastecemos as
máquinas e fomos esperar os companheiros no bar do
Mazico.
Este é o famoso Ipê Amarelo,
que pelo decreto do ex-presidente Jânio Quadros é
a flor símbolo do Brasil.
Foi uma luta de artistas a escolha, pois as flores de nossas
árvores são belíssimas: O ipê branco,
o ipê roxo (a maior árvores entre os ipês)
chamada na região do Pantanal de piuva, a paineira,
jacarandá e centenas de outras.
As fotografias simbolizam nossa chegada em São José
do Barreiro e nossa saída no dia seguinte. Esta árvore
estava bem na entrada do querido povoado, na rua do famoso
bar do Mazico.
Esta é a Pousada do Wayne, onde ficamos.
Lugar de sonho. Ficam a uns 12 km depois de São José
do Barreiro e antes de Vargem Bonita. Ao fundo a esquerda
a Serra da Canastra. O Rio São Francisco passa no fundo
da pousada no sopé da montanha que é um contra-forte
do maciço da Canastra. Já cruzamos estes contra-fortes,
depois de atravessarmos o Rio São Francisco em uma
trilha que vai até São Roque de Minas. Como
sempre digo esta é uma outra história.
Antes da chegada na pousada os companheiros
pararam no Bar do Mazico, foi uma festa de cerveja gelada,
lingüiça frita e queijo mineiro da Canastra. Uma
confraternização importante pela beleza da trilha
feita. A alegria era geral.
Esta é uma fotografia de satélite
muito importante mostrando a Serra da Canastra no ponto onde
o Rio São Francisco despenca do alto da serra formando
a cachoeira da Casca D`Anta, o rio descendo ao lado da serra
e o traçado quase imperceptível da estradinha
que corre paralela ao rio até São José
do Barreiro.
No alto da Canastra nota-se ao lado do rio (escuro), uma trilha
branca, que é o caminho para se chegar na parte alta
da Cachoeira. Esta estradinha aparece na foto pois e recoberta
de cristais de quartzo branco, o que deve ter refletido a
luz no momento da fotografia do satélite que está
a mais de 80Km de distância.
A primeira fotografia é na nascente
do Rio São Francisco. Ela se situa na parte ESTE do
Chapadão da Canastra, bem próximo, (15Km) da
cidade São Roque de Minas. Hoje fala-se muito no famoso
Rio São Francisco devido ao projeto megalomaníaco
de sua transposição, lá no nordeste.
Tem um bispo até fazendo guerra de fome para que o
presidente não assine este inoportuno e temerário
projeto.
Na fotografia estão: José Milton, meu grande
amigo de Belo Horizonte, eu, Daniela esposa do Elias. Esta
nascente está a 1380m de altitude, uma Vereda que já
foi maravilhosa, mas hoje depois de dezenas de queimadas,
tornou-se bem modesta.
A segunda fotografia estou com minha filha Carolina na parte
alta da Canastra de onde suas águas despencam formando
a cachoeira. Lá ao fundo, é o Chapadão
da Babilônia.
Esta belíssima foto mostra o limite
a Este da Serra da Canastra. O vilarejo de São José
do Barreiro, a estrada e o rio São Francisco correndo
paralelos ao longo do contra-forte da Canastra. Temos ainda
muito para ver e conhecer neste rico e maravilhoso Brasil.
Está a vista, estando no início
da subida do Rolador, da praça principal de São
José do Barreiro. Quanta solidão, quanta pureza
nesses rincões. Já cheguei as 22:00h nesta cidade,
com destino ao Sr. Soares, não havia viva alma nas
ruas. A cidade mais parecia um lugar fantasma, na da se via.
Contudo, no outro dia, lá no bar do Mazico, todo mundo
havia nos visto chegar. É como se em cada fresta tivesse
um olho, cada janela um ouvido-identificador. As pessoas nestes
rincões, se unem, formam como se fossem uma colméia
humana, onde todos se conhecem, sabem seus hábitos,
seus amores, suas traições e suas qualidades.
Sendo sempre valorizadas por elas.
Estas fotos foram tiradas atravessando o
Rio São Francisco, praticamente atrás da Pousada
do Wayne. Primeiro passou o Elias com seu ATV, depois eu passei
com a L-200 do Marcelo. Nesse dia eu fiz a trilha com a caminhonete
dele e a Carolina, pois não tinha jeito de eu levar
minha filha no ATV.
Protesto: nestas perdidas linhas, que acredito
que ninguém vá lê-las, quero protestar
contra a transposição do Rio São Francisco,
levar 1/3 de suas águas para o nordeste. É o
maior absurdo que já vi, um país, carente, corrupto,
iniciar gastando 4,4 bilhões para mudar uma bacia Hidrográfica
como a do São Francisco. Um caminho que a natureza
demorou milhões de anos para traçar, ser mudado,
com bombas elevatórias (300m), máquinas e dinamites
para rasgar a terra. Seria as pirâmides do Egito, feitas
pelo sertanejo Lula para irrigar,o xiquexique, o mandacaru
e os ricos que puderem comprar conjuntos de irrigação.
Aí está uma vista nua e grua
da Casca D´Anta, no período da seca. É
maravilhosa por todos os ângulos que possamos observá-la,
mesmo com pouca água, mesmo do avião, ela tem
uma particularidade única por todos estes Sertões
e Veredas. Cai de 200m de altura. Na transposição
do rio São Francisco, que os loucos pretendem, é
como se tivéssemos que fazer o rio, 2.000Km a frente,
voltar no ponto mais alto do Complexo da Canastra. É
loucura, insensatez.
Segundo dia de Trilhas:
12-08-2005
No outro dia, sábado, saímos pela manhã
com destino à cachoeira do Quilombo. Uma etapa maravilhosa
de nossa viagem.
Não é fácil reunir todo pessoal para
a saída, ainda mais que o Pedrão com sua simpática
equipe iria conosco.
Não demorou muito, saímos. O início da
trilha é pela subida do Rolador, ao lado da Pousada
do Sr. Soares, Pousada do Boqueirão. É de uma
hospitalidade a toda prova o Sr Soares e a esposa, estamos
com saudade dele, se Deus quiser na próxima ida, nos
hospedaremos lá, isto é, se houver vaga!
O Marcelão, profundo conhecedor da Canastra saiu correndo
na frente com o veloz Elias a seu lado. Para variar ele passou
direto na subida da encosta, a entrada da trilha. O Elias
logo percebeu e voltou, mas ele ...sabe-se lá até
onde foi. O Elias se dispôs esperá-lo e nós
seguimos a trilha.
No início ela é complicada, passa-se em muitas
bifurcações, dentro de currais e assim por uns
bons 15km. Somente conhecendo muito bem é possível
fazer esse trajeto.
Depois de uns 15Km de trilhas, onde
a velocidade média dos jipes era menos de 10Km, tomei
a dianteira e nesta subida parei para fotografar os companheiros
que vinham trilhando com calma e categoria. Por todos lugares
os sinais das queimadas eram evidentes. Mas, infelizmente
nenhum sinal dos retardatários: Marcelo e Elias.
Espera, que espera e nada!
Todos com o olhar no horizonte em busca de uma nuvem de poeira.
Horizontes distantes, longas estiradas, solidão e ausência.
Começamos ficar, todos, preocupados
com a dupla. Que não aparecia. Dr. José cogitou
em voltar, achando que haviam quebrado ou...sofrido algum
acidente.
Todas conduções e motos
chegaram, menos os dois amigos que não apareciam. Até
que depois de 40 minutos de espera, vimos a poeira levantado
no horizonte. Foi com alívio que os vimos chegar. O
Marcelo disse ter parado por necessidade biológica.
Além claro, segundo o Elias, de umas erradas nas bifurcações
da trilha, o que é normal.
Temos uma regra, o penúltimo da caravana
sempre que está vendo o último. Isso é,
o primeiro vendo o segundo, e assim por diante, mas quando
há uma mistura de motos com jipes, não é
fácil, pois as velocidades são muito díspares,
o que torna quase inviável esse procedimento. Aí,
acontecem entre entreveros que não deixam de serem
desagradáveis.
Nesta área da queimada havia uns
animais mortos, que estavam sendo devorados pelas aves de
rapinas já citadas. Mas a que mais nos chamou a atenção
foram as curicacas, um tipo especial de cegonha, com o bico
torto e de cor marrom escura, muito comum nestes grotões
das veredas mineiras. Não consegui fotografar nenhuma
delas, minha pequena câmara não tinha recurso
suficiente.
Uma brisa suave nos refrescava nas alturas
do Chapadão, e trazia um cheiro de queimada. Longe
no horizonte pequenos pontos de fumaça mostravam que
havia ainda fogo em touceiras e troncos maiores. São
esses fogos de queimadas lentos que consomem toda a matéria
orgânica do terreno, tornando-o cada dia mais ácido
e estéril.
Nos tempo passados os nativos somente punham fogo quando a
macega estava alta, e havia chovido pelo menos alguns dias
antes. Aí o fogo forma grande fachos e labaredas que
rapidamente consomem a maça da macega, não havendo
tempo para danificar as árvores, ou invadir a umidade
das veredas.
Hoje o fogo acontece no auge das secas, aí vai tudo
sendo calcinado lentamente, incluindo as veredas, que antes
úmidas hoje, secas com suas nascentes secando pelo
clima cada dia com menor grau de chuvas em toda região.
Terra calcinada. Onde o capim ainda tira
forças para uma rebrota; mitigando a fome do gado magro,
mas acostumado aos rigores das sucessivas secas no alto deste
espigão infindável da Babilônia. A macega
mais alta é a que pega fogo e dela se espera o milagre
da rebrota. O gado pasta horas pela manhã, onde o orvalho
da noite torna este capim pouco mais palatável. O capim
vem com as cinzas, provavelmente com suprimento de sais minerais,
pois em algumas regiões, em tempos idos, era nesta
época que o gado solteiro ficava mais gordo e forte.
As novilhas para reprodução e os machos para
a venda aos invernistas. Não resta dúvida, é
o grande milagre da vida, o homem está colocando em
risco.
Gostaria de ficar mais tempo, sentado no ATV, vendo esse rústico
gado mestiço, super adaptado a esse rigor, placidamente
catando aqui e acolá os brotos de capim, que podem
crescer em uma noite de orvalho mais de 6cm. Assim a rotina
adaptada deste gado heróico é caminhar em um
vai-e-vem ao longo do chapadão em busca das quase invisíveis
brotas da vida.
Estava já longe com esses pensamentos.
Já “vazando” pela trilha. Olhei para trás para
ver o comboio, mas tinha um grupo ao redor do jipe do Pedrão.
Voltei. O jipe estava com um problema, super aquecimento,
teria que voltar.
Todos se prontificaram voltar também, mais, ele não
aceitou, o irmão e o cunhado se prontificaram em rebocá-lo.
Assim foi. O comboio se organizou
para a volta. E partiu! Ficamos olhando, eles se afastando
lentamente, não sei mais ficamos um pouco tristes com
o fato. Montamos em nossas máquinas para continuar
a trilha. Alguma coisa aborrecia, em uma aventura desta não
é prazeroso deixar companheiros voltarem... “Os espíritos
da consciência reclamam, mas a caravana tem que prosseguir”.
A trilha deste ponto para frente
se complica bem. Ela é longa e cheia de dificuldades.
Pelo mapa, podemos verificar que ela faz uma grande parábola
no alto do Chapadão da Babilônia, contornando
seus contrafortes, seus vales e seus grotões. Existem
lugares como este da fotografia que a paisagem é única
em suas características. Parece que nos milhões
de anos geológicos, que se passaram, a mãe natureza
brincou de triturar, com forças gigantescas, estas
pedras, e depois amontoá-las formando paredões
abruptos, mesetas longas inclinadas, grotões e lindas
veredas por onde límpidas águas das nascentes
alimentam uma vida extraordinária que já foi
exuberante, antes da interferência predadora dos homens.
Assim são quase todas as trilhas, mas esta é
particularmente o exemplo deste fato.
Meditando bem! Hoje, se eu voltasse neste lugar, gostaria
de fazer diferente. Andar mais devagar, parar mais, sem preocupações
com a chegada. Sentar mais nas pedras e estudar os horizontes.
Pegar algumas pedras na mão e tentar entender sua história.
Procurar os sinais de vida, que fosse o excremento de um lobo
guará, ou o rastro de um tatu. Olhar para o céu
em busca de aves de rapina, e ver onde elas pousam para ver
o que pereceu na queimada. Aproximar-me do gado e ver realmente
o que estão comendo, em fim, na próxima ida
à Canastra, levarei binóculos, lentes, deixarei
o relógio e procurarei estudar os grotões e
as veredas, em busca de fatos para enriquecer e completar
o laser.
Aí está a situação,
uma barreira de pedras amontoadas quase harmonicamente, onde
o TR4 sobe com categoria a difícil rampa. Um companheiro
está orientando o Rogério na passagem pela erosão,
que estava feia.
É a visão símbolo
das trilhas. Rochas areníticas, metamorfoseadas, por
pressão de milhões de toneladas de terra e silte,
hoje expostas pela ação de milênios às
forças de erosão. É uma região
ainda em evolução, somente a ação
do homem determinará seu futuro: Um deserto ou uma
pradaria sedimentar produtiva. O negro das pedras não
é a hematita mais efeito das inúmeras queimadas
de séculos de ação do homem. O período
das chuvas, que são abundantes, estas pedras cobrem-se
de vegetação rasteira e musgos, que ao serem
queimados deixam-nas com a cor escura.
Tempos passados. Uma divisória de
pastagens feitas de pedras por mãos escravas, quando
a região era muito rica. Achava-se diamante nos seus
riachos e principalmente no pé das Serras: Canastra,
Babilônia, Serra Preta, Sete Voltas e milhares de outras
do Espigão Central que vai do sul de Minas Gerais até
a Bahia.
Nesta época o gado era vendido a preço de ouro.
Compensavam os escravos comprados, a lutas de bandos de jagunços,
era a luta pelo brilho dos diamantes. Era a luta e a vitória
do mais forte, do mais armado e do mais protegido...como sempre!
Chegamos depois de mais
de 32Km de trilha à cachoeira do Quilombo, um lugar
particularmente isolado e bonito. O rio Quilombo forma neste
ponto uma vereda de grandes árvores, formando uma mata
galeria que acompanha o curso d`água por muitos quilômetros,
é lindo de ver e sentir o ambiente. O ruído
branco das águas em cascatas descendo a serra se mistura
com o solitário canto de um sabiá-laranjeira
chamando sua companheira. Não consegui vê-lo,
no alto da árvore mas sabia que ele estava lá,
pois seu canto cadenciado e ininterrupto ecoava por todo o
vale do Quilombo.
Estamos atravessando
o Rio Quilombo, no momento o ATV do Elias está cortando
as águas. O lugar é muito lindo, o ruído
das águas encanta. Os companheiros mais jovens subiram
até a cachoeira, que em outra descrição
de viagens eu mostrei.
Aí tomamos um lanche de primeira. Depois aproveitei
uma sombra na areia branca para tirar um cochilo.
Acordei revigorado. Tivemos que nos despedir dos companheiros,
pois eu, Elias e Marcelo iríamos para Delfinópolis,
a mais ou menos 80Km de distância. O Marcelo ainda iria
retornar para São José do Barreiro. As motos
bem pilotadas podem fazer médias de velocidades incríveis
nessas trilhas, nenhuma condução as pode acompanhar,
isso dá uma grande vantagem aos bons motoqueiros.
Esses montes de areia, silte e pedriscos,
que existem às margens dos rios de toda a região
do Espinhaço, é fruto de séculos da atividade
mineradora (garimpeira) dessas regiões. Em todas essas
serras milhares de toneladas de ouro e pedras preciosas saíram.
Os garimpeiros com pouco lucraram e ainda poucos ganham, o
maior lucro sempre foi e será dos atravessadores.
As velhas trilhas, abandonadas, esquecidas,
Espinhaço a fora é fruto do intenso movimento
de carros-de-bois, mulas e cavalos que por séculos
cruzaram seus espaços vazios para atingirem povoados
distantes, levando sal, farinha, óleo de mamona ou
mesmo de baleia e ferramentas, trazendo carne de sol, arroz,
farinha e escondido nas bruacas ouro e pedras preciosas.
As rodas de ferro destes carros-de-boi, pesados pela carga,
iam moendo o solo, traçando trilhas, os velhos carreiros
conheciam a região como a palma de suas calejadas mãos,
pois desde mocinhos já eram auxiliares dos carreiros,
somente depois de anos de acompanhamento podiam pegar a vara-de-ferrão
nas mãos e conduzir as juntas de bois, por estes grotões
perigosos e traiçoeiros. Guimarães Rosa, narra
casos em que bois e carros rolaram e se espatifaram por esses
desfiladeiros.
Esses carros-de-bois eram “cantadores” os mancais de madeira
com madeira, Ipê & Imbuía, ao atritarem produziam
um som agudo e penetrante, que a mais de 10Km se escutava
uma caravana de carros-de-bois passando. Era a alegria dos
povoados, era a chegada. Era a ligação dos sertões
com a civilização, a fartura, a prenda pedida
a ferramenta esperada.
Durante meu sono na areia do Quilombo, pensei em todos esses
fatos históricos de nosso passado, nessa imensa região,
das Minas Gerais.
Chegou a hora. Vamos embora para Delfinópolis.
Fiquei um pouco cismado em atravessar novamente
o rio, pedi ao Elias para fotografar os momentos de minha
“ aventura”.
Realmente no meio do curso da água
dá um pouco de medo, mas os valentes ATVs, passam muito
bem por estas situações. Eu não poderia
imaginar, que depois de mais de 10Km rio abaixo, ele com muito
mais volume de água, tivemos que atravessá-lo
novamente. A força da corrente era tanta que o quadricíclo
foi levado um pouco de lado rio a baixo. Firmei na reduzida
e agüentei o tranco.
Se não me engano, em um dia de chuvarada, neste lugar
em questão, a correnteza levou um jipe Troller de um
amigo rio a baixo. Dando perda total ao veículo.
Nesta primeira fotografia estou na
frente do sítio de conhecidos e amigos, os Fonsecas,
um lugar de sonho perdido no sertão do Complexo da
Canastra. Na fotografia do satélite pode-se ver mais
ou menos os lugares da Cachoeira do Quilombo e este lugar.
Na segunda fotografia estamos em frente a um bar que um amigo
nosso tentou manter. O estabelecimento fica em frente à
Pousada do Eninho. È um dos mais lindos lugares do
Vão da Babilônia. Este bar está no sítio
do Roberto, o japonês um amigo aqui de Ribeirão
Preto.
Os dois ATVs, se preparando para
os 80Km de poeira e curvas até Delfinópolis.
É adrenalina e aventura, ou melhor fim da aventura.
Quando se pega a reta final para casa, parece que as responsabilidades
voltam a mente, a saudade acomoda no coração
e temos vontades de estarmos em nossa casa.
O Rio Quilombo e sua cachoeira, assim
como a belíssima casa do Sr. e Dra. Fonseca, ficam
nos contrafortes Sul do Imenso Chapadão da Babilônia.
São lugares de sonhos, pois as paisagens exóticas
e belas se sucedem de forma constante por todas estas regiões.
Esses amigos foram muito felizes em construírem um
lugar muito bem arquitetado em um recanto de rara beleza e
isolamento.
Esta região onde está a Pousada
do Eninho, é um dos lugares mais bonitos do Complexo
da Canastra. Temos ao norte da pousada a famosa subida do
Facão. A estrada que cruza o vão da Babilônia,
serpenteando por entre as furnas e escarpas abruptas. Na frente
da pousada do Eninho fica o sítio do japonês,
Roberto.
Termina aqui neste
recanto paradisíaco nossa aventura, estamos planejando
outra, que será para MS em Bonito.