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VIAGEM AO PANTANAL, REGIÃO DO RIO PIQUIRI.
Saída no dia 25-09-2003.
CAPÍTULO II.

O pôr do sol no Pantanal é a marca registrada das belezas desta imensa planície.

A onça, o maior e o mais lindo de nossos animais é um símbolo da riqueza da fauna pantaneira.
Tirei esta fotografia no Corixo dos Tucunarés, Rio Piquiri, onde havia um belíssimo casal de onças pintadas, o verdadeiro canguçu do Pantanal. A visão deste casal de felinos simbolizou a segunda parte de nossa pescaria e grande viagem. Estas imagens representam, de forma resumida, toda esta grande área do Pantanal que, por ainda serem regiões de difícil acesso, são as mais preservadas que conheço.

MEDITANDO NA MORRARIA DO AMOLAR.
Ancoramos, para passar a noite, em um maravilhoso pé de Ipê. O sol lentamente foi desaparecendo atrás das montanhas da Serra; o Pajé impoluto parece ter apreciado o sol poente, pois lançou sua sombra pelo espaço infinito, dando vida a toda serraria do Amolar.
Aos poucos o ar foi se tornando carregado de energia e um vento sem direção certa começou a rodopiar na região. As amarras do Shekinah se estiravam ora para estibordo, ora para bombordo. Uma ciranda de folhas girava pelo espaço ao redor da embarcação. A água do Rio Paraguai começou a formar pequenas e sincronizadas ondas, que se assemelhavam a carneirinhos brancos deslizando ordenadamente pela superfície escura da água do anoitecer.
Pouco depois as ondas se uniram formando imensas vagas que corriam cadenciadas pela extensão do majestoso rio.
Vindo de sudeste, um enorme CB (cúmulo nimbos ) contorcia-se e ameaçava toda a região.
Seu caminhar era de uns 30Km/h, mas os ventos, no sentido horário de sua posição, deviam atingir mais de 90km/h. Pela sua trajetória deveria passar um pouco ao sul de nosso ancoradouro, dirigindo seu centro diretamente para o Morro do Pajé.
Em alguns momentos, o CB se iluminava todo em virtude dos relâmpagos internos, revelando nitidamente sua ciclópica forma de bigorna, que ocupava mais de dois terços do espaço visível do conturbado horizonte.
A feliz fotografia mostra o exato momento em que um raio explodiu direto na serraria do Amolar.
O barulho do trovão, audível após alguns segundos à sua explosão, indicava sua queda a uns quinze quilômetros de onde estávamos.


É incrível a potência e a energia acumulada dentro de uma nuvem tipo CB!
Ela somente perde em energia potencial acumulada para um furacão, que seria a soma de milhares de cúmulos nimbos.
Por exemplo, os furacões que atingem os USA pela Flórida, via Golfo do México, sempre nascerem como CBs na costa ocidental da África do Norte, de onde alcançam a Corrente do Golfo, e vão ganhando força até se transformarem em monstros de destruição e morte por onde passam.
Felizmente a chuva não caiu onde estávamos. O CB derramou suas diluvianas águas lá pelos lados da Bolívia.
Apesar desse monumental evento meteriológico, a noite4 chegou muito calma.
Jantamos e ficamos conversando até às 21:00h, quando os companheiros foram dormir.
Eu, aproveitando a costumeira ausência de sono e a providencial trégua dos mosquitos,
resolvi subir na cobertura do barco para meditar.
Meditar é submeter-se a um exame interior; é pensar e analisar bem tudo em nossa mente, relacionando cada dado com o espaço e o tempo que está nos envolvendo ou nos tenha nos envolvido num particular momento.
A região da Morraria e das grandes baías do Amolar são ambientes próprios para isso, principalmente depois de a tempestade ter levado para longe toda energia acumulada na atmosfera. As densas nuvens, varridas do céu, deram lugar a um firmamento derramado de estrelas. Parecia um milagre! Concentrei-me na grandiosidade desse firmamento, enquanto uma ligeira brisa trazia harmoniosos sons da noite pantaneira. Comecei a integrar-me à natureza ao meu redor.
Havia momentos em que me parecia ouvir a água do rio Paraguai correndo pelo seu leito, roçando os barrancos e contornando as pedras. Em outros, tinha a sensação de ouvir o cálido vento agitando a vegetação da serraria do Amolar, como um suave arfar da mãe natureza. Ou seria a respiração do Pajé, como acreditávamos índios? E como duvidar, se naquele momento eu tinha a mesma mítica impressão?
À medida que a noite avançava, bem lá no oriente, a lua, com sua acariciante claridade, começou dominar o firmamento. O tapete de estrelas foi sendo substituído pelo domínio prateado da lua. Tornam-se lógicas, então, as ardentes adorações dos povos primitivos a ela...Isolados em noites cujo limite é o infinito, a ânsia do saber impulsionando suas mentes e paixões, como não imaginar ser uma deusa do universo, aquele corpo celeste refulgindo no espaço sideral, ainda mais que o grande deus sol havia se retirado?


Todos os povos sabem a influência de nosso satélite sobre a Terra: nas marés; na seiva das plantas, nos homens... Em tudo enfim! Olhando fixamente para a lua, percebi a grandiosidade do espaço à minha volta, tudo parecia criar vida.
A água corrente do rio tornou-se uma esteira prateada, em contraste com as sombras e a escuridão da noite.
A lua, ao passar por uma nuvem de alto cúmulo, parecia deslizar pelo firmamento. É pura ilusão de ótica, pois a lua estava é estática em sua órbita ao redor da Terra, e o que realmente se movia eram as nuvens, em direção Este – oeste, como se fossem ainda resquícios do grande cumulo nimbos, que havia, horas antes, varrido o Pantanal.
Era 1:00h. O espetáculo na Serra do Amolar era tão extraordinário que a imaginação começou a ocupar o espaço da vista.


Vi alguns meteoros cruzarem o espaço.
Mas nenhuma imagem como essa.
Essa eu criei dentro de minha mente, ávido de ver alguma coisa de extraordinário no firmamento.
Tudo, tudo era especial. A felicidade que estava sentindo era indescritível.
Em primeiro lugar, pelos companheiros que estavam comigo na aventura: o Primo Augusto, companheiro de tantas jornadas; o leal Machadinho e seu filho Patrick, amigos de tantos anos...Essa é a felicidade de um homem: estar em harmonia com sigo mesmo e com o universo que o cerca.
O sono felizmente veio. Meu boné já estava molhado pelo orvalho que caía e o frio penetrava pela blusa. Ao entrar no barco procurei não incomodar nem o Gustão e o Roberto, que dormiam perto da porta de entrada, nem o Machado, que com seu filho, haviam se acomodado nos beliches do corredor.

O nascer do dia no Amolar foi, como sempre o é no Pantanal, muito lindo e peculiar: uma manhã clara e cheia de esperança para prosseguirmos nossa aventura.
Dormi tarde, e só acordei depois que o Chicão já havia colocado o Shekinah em movimento, assim tive que sair rapidinho do quarto para registrar essas imagens inesquecíveis do lugar maravilhoso onde pernoitamos.
Este grupo de pescaria era formado, felizmente, por homens supereducados; isso contagiou de forma muito positiva toda a tripulação, o que, diga-se de passagem, tem sido fundamental paro o sucesso de nossas pescarias no Shekinah.
COMPRA DE ISCAS. No porto havia muita gente: homens, mulheres e principalmente crianças. Não posso fazer a menor idéia como vivem as pessoas dessas comunidades ribeirinhas: sem conforto, pouca alimentação e milhões de mosquitos que invadem suas desprotegidas casas todas as tardes. A única energia é obtida através do querosene e da lenha.
Acredito que o que os mantêm em contato com o mundo seja o velho e bom radinho à pilha. Por sinal, até nos pediram duas pilhas para trocar no equipamento, pois as deles estavam fracas.

Na primeira foto vemos a casa dos vendedores de iscas. Este porto era muito movimentado, porém com a criação do Parque Ecológico do Pantanal, algumas regiões foram transformadas em reservas destinadas ao criadouro de peixes, onde a pesca é, obviamente, proibida. A região do Parque Ecológico é muito vasta: inicia-se pouco acima deste antigo porto, exatamente onde o Rio São Lourenço deságua no Rio Paraguai. Compreende ainda duas das maiores baías que existem no Pantanal, a Baía Gaiva e a Baía Uberaba.
Até o ano de 2001 o destino dos grandes barcos de Corumbá era esta região; agora eles ancoram nas regiões de Coqueiro, Chané ou Baía Vermelha.
Havia caranguejos à vontade para vender, e como o Machado e Patrick são grandes pescadores de caranhas, piavuçus e outros, foram ver os caranguejos no “tanque”, para selecionarem os melhores.
Pelas fotos pode se ver a extensão do barranco do rio e perceber o quanto ele está vazio. Esperamos que as chuvas venham abundantes, pois são as cheias do Pantanal que propiciam a revitalização da fauna e flora.

Na primeira foto vemos o Machadinho, com sua elegância característica, acendendo seu perfumado cachimbo, qual um autêntico lorde inglês, como sempre diz o Gustão.
A segunda fotografia é um acampamento de ribeirinhos, antigos pescadores da região, que por ora o Chico não sabe como estão vivendo, já que a pesca foi proibida e a venda de iscas esteja muito fraca. Acreditamos que eles estejam levando uma vida sacrificada, sendo obrigados, algumas vezes, a transgredirem as leis para garantir a sobrevivência.

Estamos, neste ponto, a uns 10Km dentro do Rio São Lourenço, “águas acima”, como diz o Chicão.
Nesta imensidão incrível de águas, um pescador solitário cruza o grande São Lourenço.
Nosso barco passou por ele, que permaneceu impassível como uma estátua, indiferente a tudo que acontecia. Estava, aparentemente, com uma linhada de mão, pescando em lugar proibido, talvez para assegurar sua sobrevivência, o que ninguém poderia recriminar, penso eu.
De qualquer forma, singrava as águas do grande rio em sua minúscula piroga com a certeza de que aquele lugar pertencia a ele e não a nós.

Este é o famoso Hotel da Mesbla. Quando as Lojas da Mesbla “eram o que eram”, construíram este maravilhoso hotel às margens do Rio São Lourenço. Era um grande empreendimento, pelo lugar onde ele foi construído e pelo o luxo com que os hóspedes eram atendidos. Embora não seja visível na foto era uma construção bem grande. Atrás do morro, na segunda fotografia, tem um aeródromo que servia para a chegada das pessoas ao hotel. Em 1980 aterrissei nesta pista, com o Embraer 710C, Corisco. Tudo era feito com uma mordomia extraordinária!
Quando saímos da compra das iscas eram 6:00h (Boca do São Lourenço); ao passarmos pelo Hotel da Mesbla eram 8:15h. Logo após o hotel avistamos um grande cardume de curimbatás subindo o rio, enquanto os dourados, pintados e jacarés festejavam, regalando-se com o farto banquete.

Estes são aspectos do Rio São Lourenço. Ele tem um pouco menos que a metade da largura do Rio Paraguai, mas com características próprias: corre mais dentro da “caixa” e seus meandros são mais pronunciados, como poderá ser visto no “Track” do GPS. Suas águas são profundas, 6 a 8m, e sua correnteza é um pouco menor que a do rio Paraguai, cerca de 1 a 2km/h. É uma região muito selvagem,
praticamente não se encontra ninguém navegando em suas águas. A água estava limpa, muito boa para pescar.

Este é o Posto Fiscal do CARCARÁ. É um lugar muito importante no Rio São Lourenço. É aí, a região chamada Reserva do Carcará que a Polícia Florestal tem sua sede, que por sinal, é muito bem cuidada e dotada de ótimas embarcações. Temos esperança que essa instituição possa realmente salvar está maravilhosa área do Pantanal.
Ao passarmos neste ponto, exatamente 1 hora após o hotel da Mesbla, já tínhamos navegado mais de 12Km. A subida do rio foi bem lenta, já que o comandante queria poupar combustível, ao mesmo tempo que enfrentávamos um vento de nordeste, que em muitos momentos nos atingia de proa, retardando nossa marcha. De Corumbá até o ponto onde estávamos, já haviam sido percorridos uns 230Km.
Tudo estava mudando: a vegetação, as barrancas do rio, a cor e aspecto da água, as aves...É incrível a variedade das micro-regiões existentes no Pantanal.

Viagem longa, tempo de repousar. Na primeira fotografia, o Patrick e o Chico, com o Padilha no timão. Na segunda, o Patrick veio tirar a fotografia. Continuamos subindo o Rio São Lourenço. Teoricamente, eu estou no estado de Mato Grosso e o Chico no Estado do Mato Grosso do Sul. Estamos navegando exatamente em cima da divisa destes dois estados.
Quantas voltas tem o rio, quantas ilhas, quantos corixos, quantas bocas...Impossível contar! Procurar animais em suas margens é um belo passatempo. Debaixo de uma vetusta mangueira, em um porto abandonado, o Chico mostrou-me uma enorme sucuri, que pelos nossos cálculos deveria ter uns 8m de comprimento e um diâmetro semelhante ao de um animal que tivesse engolido uma capivara das grandes.
Chico, em grande parte do tempo, ia de binóculo procurando bichos nas margens. O homem queria mesmo era ver uma onça pintada. Eu devo ter pilotado umas 6 horas. Durante todo esse tempo o Chicão procurava, via e me mostrava muitas aves e alguns animais, como um bando de ariranhas que assediavam um cardume de curimbatás. Mas a onça que ele queria ver ainda não foi neste dia...
Vimos centenas de aracuãs soltando seus onomatopéicos gritos:”quero casá, pra matá”, típicos do período de acasalamento. Acredito que vivam eternamente nesse período pois a farra entre eles é sempre barulhenta e movimentada. Os aracuãs são aves grandes, de rabo longo, muito semelhantes ao jacu e à jacutinga.
Jacutinga: Designação comum às aves galiformes, comuns no centro oeste e sudeste do Brasil. A jacutinga se diferencia das demais espécies por ter a região entre o bico e os olhos, azul; a parte nua da garganta vermelha, plumagem preta com brilho azul, e no alto da cabeça barbas externas das coberteiras das asas e orlas das penas do peito, brancas. Ocorre nas matas virgens, é arborícola, raramente descendo ao chão; alimenta-se de toda sorte de pequenos frutos e bagas, não desprezando outros alimentos.
Um dos pássaros mais numerosos por estes lados são os maguaris, que é um pernalta imponente de tons acinzentados. Enquanto os barcos vão passando eles voam rente à água exibindo toda sua elegância.
O Maguari é uma ave comum também nas costas marítimas do Brasil. Dorso cinzento-escuro; cabeça, crista, estria no meio da garganta, meio do peito e da barriga, e rêmiges, pretos; o restante do abdome é branco.
Os pássaros mais abundantes em todo o Pantanal são os Biguás, mas por incrível que pareça não os vimos na região por onde navegamos.
No Rio São Lourenço já existem muitas praias, e nelas sempre havia inúmeros jacarés e pelo menos um casal do pássaro símbolo do pantanal, o Tuiuiú. Esse pássaro podeter quase 3m de envergadura e 1,20m (ou mais) de altura, quando pousado na areia.
Tem um enorme e potente bico, pescoço preto realçado por uma volumosa papada e penas brancas por todo restante do corpo.
Durante toda a subida pelo rio São Lourenço, já percorridos 180km de rio, o Chico não havia conseguido ver nenhuma onça.
Por volta de 13:00h uma fome terrível atacou a todos, aguçada pelo tentador aroma de alho refogado que temperava o feijão. Os acepipes, então, entraram em cena: queijinhos, salaminhos e torradinhas, regadas a um bom uísque e cervejas, acalmaram o apetite e alegraram o ambiente.
Como é bom recordar esses felizes momentos de nossas vidas, em que deixamos o tempo passar e nos entregamos à alegria quase infantil da aventura. A expectativa da Maior Pescaria de Todos os Tempos, nos motivava o tempo todo...

Esta é a região chamada de BILICA. Não fazemos a mínima idéia do porquê desse nome. Mas a partir deste ponto, a mata galeria foi ficando muito mais densa, e o Chico não largava o binóculo na ânsia de ver uma onça.
O dia foi se encobrindo por nuvens de altos estratos. O curso da água representava uma artéria fluvial interminável. Nas poucas retonas que existiam, parecia que o Shekinah não saía do lugar. Na primeira foto, a água pela direita some no horizonte distante; se não fossem os camalotes descendo o rio, pareceria estarmos parados na grande planície do Pantanal.
Segunda fotografia: na popa do barco a visão era completamente outra! Os 380HP dos motores pareciam triturar á água do rio, fazendo ondas que agitavam as margens e invadiam as matas. Parecia que estávamos a grande velocidade, rasgando o Pantanal.
Doce ilusão!

Esta é uma fotografia muito importante: em primeiro lugar porque registra nossa fome leonina, pois já eram 12:00hs.Em segundo lugar porque mostra o cozinheiro Roberto aprendendo a fazer um frango à moda do Patrick, que, aliás, ficou ótimo. O “menino”, além de grande companheiro, é profundo conhecedor da arte da culinária.
Bem, nesse dia nosso almoço foi realmente especial, como disse o Machadinho. Patrick disse que na próxima pescaria ele vai fazer as compras, pois faltaram muitas coisas para que ele pudesse realizar pratos usando todo seu potencial. Muito bom, bom mesmo!

O Rio São Lourenço apresenta, como já havia dito, características próprias e peculiares. Nesses longos trajetos, não pude deixar de imaginar os Bandeirantes Paulistas, que no século XVI subiram estas águas no varejão, ou melhor, na zinga (vara comprida, usada na propulsão de embarcações). Que audácia tinham estes homens!
Ou seria a mais refinada cobiça pelo ouro que deveria haver em todo este território?
Toda esta planície era habitada pelos temíveis índios Guatós.
Conta à história que, no século XVII, na região de Cuiabá, era comum achar-se pepitas de ouro nas vielas do povoado e nos caminhos, após as grandes chuvaradas.
Eu não duvido muito, pois no ano de 2000 estive fazendo uma grande trilha, de Poconé até o Porto Jofre, e em Poconé eles ainda fazem grandes escavações procurando e achando ouro. Em termos de ocupação do espaço para a instalação do homem, o Pantanal começou a ser povoado no início de 1800. Oficialmente, esta região foi chamada de Paiaguás a partir de 1825. Esta região, chamada de Paiaguás, de forma documentada foi em 1825.
Li o relato de um fazendeiro que saiu de São Paulo em comitiva pelos rios: Tietê, Sucuriu, Coxim, Paraguai, São Lourenço. Foi uma aventura de 2 anos até se instalar nesta região, não mais em busca de ouro, mas com o objetivo de criar o gado e se estabelecer com a família.

Esta região tem muitos portos. Este talvez seja o Porto Alegre ou do Bananal. São lugares onde os barcos cargueiros deixam as encomendas dos fazendeiros da região. Todos os produtos que se pode imaginar são trazidos pelos barcos de negociantes. Todos dependem do rio como se fosse uma artéria oxigenando todo um tecido.
Pelo traçado do GPS, que está no fim deste relato, pode-se ver todas as numerosas curvas do rio São Lourenço até o Rio Piquiri, com o nome dos principais portos pelos quais passamos

.

Este é um barco típico de transporte da região. Nesse ponto, ele já está vazio descendo, o São Lourenço com destino a Corumbá. Deve estar levando uma grande lista de pedidos, desde carretéis de linhas até peças de tratores. Segundo contam, vários donos destes barcos chegaram a ficar muito ricos. São grandes negociantes, trocam frangos e peixes por outras mercadorias, fazendo o chamado escambo para todas as pessoas das fazendas da região.
Levam também passageiros para vários destinos, tanto rio a cima como rio a baixo. O barco está bem afundado na água, conseqüentemente deve estar muito pesado, cheio de peixes e sabe-se lá o que mais...

Buscando Comida

Víveres: Em um determinado momento percebemos que a viagem estava ficando mais longa do que havíamos imaginado e fazendo um “balanço” junto com o cozinheiro, concluímos que a comida estocada não seria suficiente. O Gustão se apavorou. Adiantando-se, o Chico sugeriu: --Estamos a uns 30 Km do Porto Jofre, onde tem um belo hotel. Confirmei, pois já havia me hospedado lá. Certa ocasião percorri, juntamente com o Marcelo, Zé Fernando e o Maluf, toda a Transpantaneira de Poconé até o Porto Jofre. Fui de quadriciclo e os demais, com suas potentes motos.
Realmente o Jofre é um belo Porto e tem um bom hotel, tem até pista para pequenas aeronaves, piscina, sauna e um bom restaurante.
O amigo Machado, gentil como sempre, prontificou-se ir comprar mais víveres. Na primeira fotografia o Padilha está abastecendo o Motor Suzuki, para, adiantando a viagem, ir até o hotel fazer a compra. O tempo estava frio e chuvoso, o que não intimidou os companheiros. Por sinal, foram muito felizes na empreitada.

Nas imediações do Porto Jofre passamos por um lugar muito ajeitado, não tenho certeza se chama Alegre, mas é muito bonito e muito bem cuidado. Um dia terei que refazer essa grande viagem para marcar melhor os pontos. Nesta, tivemos muitas alterações meteorológicas, ventos, cúmulos nimbos, chuvas, o que nos prendeu a atenção, retardando a viagem e desviando-nos completamente de nossas marcações do GPS.

Passamos por muitas fazendas, Pousada e Portos: Negrinho, Sepultura, Autuam até chegar ao Porto Jofre.
Viagem longa sempre tem imprevisto: Estávamos a 2 horas do Porto Jofre, quando o tempo “fechou” feio realmente. O Machado e Padilha já haviam voltado com os víveres. Segundo o Chico não seria indicado navegar naquelas condições, ainda mais que não chegaríamos mesmo ao Piquiri antes do anoitecer. Assim, resolvemos aportar o Shekinah.
Enquanto a chuva não vinha, o Augusto e Machado resolveram ir pescar um pouco. Eu e Patrick resistimos por alguns minutos mas logo em seguida fomos também. Entramos em um braço de corixo, mais abrigado do vento, e ainda deu para fazer uma pescaria razoável, pois o Patrick e o Augusto pegaram algumas cacharas, que propiciaram um belo jantar de peixes frescos.

Uma pescaria de improviso, com um CB rondando toda a região não é brincadeira! Mas pescaria é assim mesmo: quando menos se espera, lança-se a uma aventura, e em meio ao vento e à chuva surgem os peixes. Como sempre diz o viajado Gustão: --Gente, o que pega peixe é anzol na água “...
E não que ele tem razão? Eu nunca vi um anzol fora da água pegar um peixe!...

O fruto de nossa pescaria animou-nos um pouco. Numa das fotos vemos o companheiro Machado saboreando uma bela refeição preparada com os peixes pegos antes que a chuvarada desabasse do negro céu pantaneiro.
PRIMEIRA VIAGEM AO PORTO JOFRE, POR TERRA (Recordando). Quando Juscelino Kubitschek foi presidente do Brasil (de 1956 a 1961), inaugurou a TRANSPANTANEIRA , grande rodovia que ligaria Cuiabá a Corumbá, proporcionando a integração do Pantanal. Nessa áurea fase de expansão nacional, Brasília em abril de 1959 foi inaugurada e estradas como a Belém – Brasília e a transpantaneira foram abertas. Desta última o que restou foram trechos ao norte (Poconé ao Porto Jofre) e ao sul (de Porto Manga até 30Km além do Esquinão). Tudo o mais perdeu-se no tempo ou foi destruído pelas cheias.
Conta à história que, na região da Nhecolândia, os fazendeiros ali instalados precisaram dinamitar, às pressas, grande parte do aterro da estrada a fim de dar vazão às enchentes, pois as pontes construídas não eram suficientemente adequadas para a passagem das águas. Com esta e outras intercorrências, mais de 350Km da estrada ao sul do Porto Jofre desapareceram...Foi muito triste. O trecho que vai de Poconé a Porto Jofre resistiu, mas em condições tão precárias que acabou se transformando em desafio para os trilheiros do Brasil. Depois de ler uma reportagem sobre uns “jeepeiros” que por lá passaram, decidi realizar a mesma façanha. Assim, em 2001, convoquei alguns amigos e partimos: eu com um ATV (All Terrain Vehicle), um quadriciclo traçado, próprio para essas aventuras e eles com suas motos.

Na primeira foto estamos chegando em uma pousada, no início da Transpantaneira. Havíamos viajado 1380Km de Ribeirão Preto até esse ponto, levando as motos e quadriciclo (ATV), em duas Silverados. Foi uma árdua viagem, pois as estradas de MT são lastimáveis. Na segunda fotografia estão os 4 trilheiros: Eu, Marcelo, José Fernando e Maluf. Antes de sairmos para a viagem nos preparamos muito, pois sabíamos que às dificuldades seriam grandes, somente não contávamos com a quantidade de chuva que pegaríamos pelo caminho. Desta pousada até o Porto Jofre tínhamos 230Km de estrada semidestruída e 154 pontes quase intransponíveis.

INÍCIO DA TRANSPANTANEIRA: A primeira fotografia é o posto do IBAMA, onde se recebe algumas orientações sobre a situação da estrada, pois são 180Kim com 154 pontes, algumas sem a menor condição de tráfego. Na segunda foto vê-se uma ponte considerada razoável, uma vez que as outras dispõem de apenas uma tábua para a passagem. Isto me prejudicou muito, pois o ATV não tem bitola normal, tive que providenciar tábuas extras em muitas ocasiões.Atravessar essas pontes sabendo que, sob elas, jacarés e piranhas aguardavam um inusitado “lanche” estimulava ao máximo nossa adrenalina, ainda mais debaixo dos aguaceiros que enfrentamos.
Gastamos quase um dia inteiro para percorrer os 180Km. Pousamos no Porto Jofre e retornamos no outro dia, após uma noite cheia de pesadelos, pois me preocupava lembrar das pontes que teria que passar na volta.
Para os jovens de moto, era “pau na máquina e chute nos cachorros”. Bem, essa viagem será uma outra historia a ser contada.

Esta é uma vista aérea do Porto Jofre que mostra a pista de pouso, uma grande baía atrás do hotel e as construções. Neste dia havia duas aeronaves pequenas Embraer 710C, o Corisco, no aeródromo.

 

SEGUNDA VIAGEM AO PORTO JOFRE, POR ÁGUA.

Finalmente avistamos o famoso Porto Jofre. Após uma longa curva do rio, lá estava ele, perdido à distância, no meio das nuvens sombrias, que em baixos estratos cobriam o horizonte. Tudo ficou mais leve, estávamos a poucas horas do Rio Piquiri. Francamente, eu gosto de navegar, mas desta vez os informantes, Chico e Padilha, erraram em todas as previsões e isso foi uma grande lição para mim. Nas próximas excursões, como sempre, cuidarei da logística da viagem. Na realidade, o tempo tem, para os pirangueiros e para nós, dimensões muito diferentes: para eles quanto mais demorar, melhor.

Ancorado no Porto Jofre estava este belo navio, que por sinal, nos cedeu 200l de óleo diesel para voltarmos a Corumbá. Na segunda foto vemos o Gustão e Machadinho de costas para a rampa do Hotel do Porto Jofre. Neste momento eram, exatamente, 11:40h. Tínhamos navegado 350km, com 35h de viagem, a uma média de 10km\h, mais ainda estávamos a 35km do rio Piquiri. Era o tempo de almoçar, arranjar a tralha e sair para pescar.

Eu e Gustão saboreando o prazer da chegada ao Porto Jofre. Contei para eles que já havia trilhado toda a região do Jofre com o quadriciclo e que já havia descido aquela rampa para lavar o quadriciclo (ATV), que chegou ali praticamente como uma pelota de barro. Mas os companheiros não acreditaram muito na nossa epopéia por terra até esse fim de mundo. Pretendo, se houver oportunidade, mostrar a fita de VT desta viagem a todos eles.

A alguns quilômetros acima do Porto Jofre, na margem direita do rio, há uma pequena e típica vila de pescadores com os quais conversei muito quando ali estive. Suas histórias são bastante peculiares, mas a insatisfação com o desaparecimento dos peixes é comum a todos eles.
É muito importante esta construção abandonada, à margem esquerda rio São Lourenço: aí era o Porto Jofre original, ou seja, aí era o término da Transpantaneira, vinda do sul do Pantanal. As balsas pegavam as cargas nesse ponto, atravessavam o rio e se dirigiam às fazendas da região ou descarregavam em outros caminhões com destino a Poconé e Cuiabá. Com o desaparecimento da estrada, não havia motivo para que o Porto na margem esquerda do rio existisse, assim, foi abandonado.

CHEGAMOS AO PIQUIRI.

Bem na direção da proa do Shekinah, finalmente, dá para ver a famosa Barra ou desembocadura do Rio Piquiri. É realmente emocionante chegarmos ao destino, depois de 3 dias de viagem. Melhor dizendo, quase ao destino, pois ainda subimos o Rio Piquiri uns 3 Km para ancorar o barco.
O Rio São Lourenço continua para o norte do estado de Mato Grosso e segundo eu entendo passa a se chamar Cuiabá mais de 100Km águas acima, após chegar à região do Tarigara.
A divisa dos dois Estados, MT e MS, continua sendo o rio Piquiri. A fotografia a seguir do satélite (EMBRAPA) dá para ver, com muito boa vontade essas divisas e estes pontos.

A parte negra da fotografia é o estado do Mato Grosso do Sul, o verde é o Mato Grosso.
Os pontos todos onde ficamos, navegamos, pescamos e vimos as onças estão assinalados na imagem do satélite.
Esclarecendo:
1. O primeiro mostra a exata localização do Porto Jofre; ampliado, permite ver distintamente o hotel, as casas e a pequena pista de pouso do aeródromo.
2. A seta indica o local exato onde o Rio Piquiri desemboca no Rio São Lourenço.
Segundo muitos moradores da região e mesmo eu em alguns mapas, é aí que o Rio São Lourenço passa se chamar Rio Cuiabá. Esta questão é velha para mim.
E, modéstia à parte, já cheguei a uma conclusão: o Rio Cuiabá perde mesmo o nome a uns 150km acima, quando atinge o delta do São Lourenço, região esta chamada de Perigara.
Pela complexidade hidrográfica da região é previsível, que as confusões sejam inevitáveis.
3. Este é o lugar onde aportamos o Barco Shekinah, depois de 38 horas de viagem e 380km de rios percorridos, representando um considerável esforço. O que mais admirei em toda esta aventura foi o espírito aventureiro de todos os companheiros. O maior “gentleman” do grupo, eleito por unanimidade, foi o ilustre primo Gustão.
O ponto das onças também está assinalado na fotografia do satélite (seta amarela).

Finalmente começamos pescar.

Eu e o Gustão finalmente embarcados. Partimos para a pescaria dos famosos tucunarés do Piquiri. A emoção, no início de uma pescaria, é muito grande, e neste lugar era ainda muito maior, pois se tratava de uma área muito selvagem, longe de tudo e de todos. Na segunda fotografia vemos o heróico Shekinah. Depois de deslocar suas 13ton de Corumbá até aquele ponto, eu tinha um pouco de receio que pudesse ocorrer algum dano mecânico, mas felizmente tudo correu muito bem.
Gustão usou óculos e um chapéu feito nos USA, e que é a última moda para pescaria de tucunarés.
A saída para esta pescaria foi cheia de expectativa. Primeiramente, porque há muitos anos ouvíamos falar nos tucunarés que haviam invadido o lado selvagem do baixo Piquiri.
Segundo, porque nosso piloteiro, o Chico, não conhecia o local para onde iríamos, a não ser por informações. Como na primeira fase da grande viagem as informações do Chico eram todas equivocadas, em relação a esta segunda etapa da pescaria, as perspectivas eram um pouco sombrias.
Pergunto-me se não seriam estas dúvidas, incertezas e buscas, a essência de uma aventura verdadeira.
A canoa, com motor Suzuki de 30HP, arrancou, levamos mais 20 litros de gasolina de reserva, pois as distâncias por lá não são pequenas. Como já havia dito, a morfologia hidrográfica do Piquiri é própria, trata-se de um rio bem singular. Observar suas diferenças prendeu-me a atenção nos 33Km que navegamos até o corixo dos Tucunarés.

A fotografia desse barranco conta por si só à história geológica do Pantanal.
Ela foi tirada a 15km águas acima do Rio Piquiri. Nos 400Km de rio que navegamos este foi o primeiro e único corte de barranco que achei em todo percurso. O que dizer de cada uma destas camadas sedimentares, que começaram a se depositar em tempos imemoráveis da história da planície pantaneira? São histórias de períodos de chuvas e enchentes extraordinárias, de secas terríveis que quase transformaram a região em um deserto. São bilhões de partículas de siltes, que após longas caminhadas dos planaltos circunvizinhos, ali vieram se depositar. Entre os depósitos pode-se ver, em detalhe, pequenos crustáceos fósseis, que correspondem aos tipos de zôo-plâncton existentes em cada período geológico recente da formação do pantanal. O período deste barranco conta uma história de 10.000 a 30.000 anos. Segundo a Petrobrás, que já pesquisou petróleo no Pantanal, a camada sedimentar metamórfica, que é à base do solo do pantanal, está em algumas regiões afloradas, como a Serra do Maracaju e em outras.
No pantanal baixo, está a mais ou menos 200m de profundidade, em conseqüência dos movimentos tectônicos e à erosão muito atuante em toda a área.
Acabei de comprar um livro de Abi S´aber sobre a geologia do Brasil.Ele fala bastante do Nordeste, dos mangues, da Floresta Atlântica e Amazônica, mas infelizmente, nenhuma palavra sobre o Pantanal, Continuarei pesquisando e aceitando ensinamentos. O Rio Piquiri nasce quase na divisa de Mato Grosso com Goiás, lá pelas bandas do Alto Araguaia, na região das furnas escarpadas do Planalto Central, a noroeste da Furna do Mutum, onde nasce o Rio Taquari.
De muito, muito distante vieram esses sedimentos, e cada camada tem sua peculiaridade. Seus fósseis minúsculos contam a história dos tempos, e por essa e outras análises acredita-se que a planície do pantanal tenha se formado nas últimas fases do período quaternário. Bem, amigos, como sempre, essa é uma outra história...

Havíamos passado pela equipe do Machadinho&Patrick, que por sinal saíram umas 2 horas antes de nós para aproveitarem bastante o dia de pesca. As fisionomias dos companheiros não estavam muito animadoras. Acreditamos, eu e companheiros, que eles ainda não tinham achado o cardume procurado.
Fiquei surpreso como o pai e o filho combinam tão bem em uma pescaria. Saiba, amigo Machadinho, é um grande privilégio ter um filho companheiro como você tem, parabéns!
O Gustão fazendo toda sua preparação, muito apropriada, para se proteger do sol. Está engajado na campanha contra o câncer de pele, certíssimo.
No primeiro dia, fomos subindo o Piquiri em busca do corixo dos Tucunarés por indicação do Padilha. Não tínhamos certeza de onde exatamente ficava, assim, achar o lugar dos tucunarés foi uma aventura a mais.
Na segunda fotografia vem a equipe do Machadinho nos passando velozmente, em busca de novos poços de pesca. O Machado é um pescador refinado, só gosta de pescar com categoria e peixes de gabarito: dourados, pintados, cacharas, caranhas. Nesta imagem dá para se ver como estava ótima a água do rio, e que nas barrancas era uma mata fechada para todos os lados em que se olhava.
Cenas como esta, de um barco com os companheiros cortando as águas de um rio, em uma manhã de céu limpo, com o peito cheio de esperança, não se apagam jamais de nossa mente.
É a pura aventura na intimidade remota do grande Pantanal.

Como estávamos navegando por caminhos desconhecidos, o GPS é sempre um companheiro indispensável, pois se ficarmos perdidos em algum corixo, ou alguma baía, basta acionar o “Track Back” que se volta no rastro, para o lugar de onde saímos. É uma segurança indispensável nas aventuras atuais, pois queremos sempre ir mais longe e em lugares desconhecidos, mas, sem ficarmos perdidos nesta imensidão de águas e corixos. No trajeto até o corixo dos Tucunarés vimos inúmeras capivaras, algumas ariranhas e muitos pássaros, sendo alguns já extintos em nossas regiões, como o jacu, a jacutinga e o mutum.
O GPS está na escala onde cada 1cm na tela equivale a 500m, o traçado em curva são as curvas do Rio e o pequeno triângulo simboliza o nosso barco. A linha pontilhada é a divisa dos Estados do Mato Grosso com o Mato Grosso do Sul. O 34,7km/h é a velocidade da canoa.

A mata galeria do Piquiri é muito densa e bem preservada, mas a imponência desta piuva eu não poderia deixar de fotografar, pois ela sobressaia soberba entre as outras. É realmente uma árvore majestática. Não sei como os homens a perdoaram!

Uma tora deste Ipê vale uma fortuna... Deus deve ter colocado a mão sobre ele e, assim, o perdoaram. Segundo Marechal Rondon, as piuvas, as aroeiras e outras madeiras de lei, eram muito abundantes na região, mas os homens derrubaram praticamente todas.
As linhas telegráficas que o Marechal Rondon heroicamente construiu, partindo do Rio de Janeiro para toda a imensidão deste Brasil-sertão, representam um dos atos mais patrióticos feitos por um brasileiro, para que a integração do país se realizasse. Eis as principais cidades por onde as linhas telegráficas passaram: Saíram pela Noroeste até Três Lagoas, passando pelo sertão do noroeste paulista, cortando matas virgens e novos cafezais; pelo planalto central até Ribas do Rio Pardo, Entroncamento, Rio Brilhante, Ivinhema, Maracaju, Porto Murtinho, Ponta Porá, Porto Manga, Corumbá, Porto Jofre, Cáceres, Cuibá e pela Amazônia afora, todos os postes foram feitos de aroeira e em todos tinha uma para-raio. Duraram até que as queimadas feitas pelos homens os destruíssem. Mesmo hoje, nos varjões, que o fogo não consumiu, existem postes, fincados pelo Marechal Rondon, como na região dos campos dos araxás de Ponta-Porã, Sara-Puitã, Maracajú, Rio Brilhante e Aquidauana.
Nossa viagem rio acima continuava cheia de visões maravilhosas, com uma surpresa em cada curva, uma visão a ser fixada na mente. Ou na memória do GPS, para um dia podermos voltar...

Nesta fotografia vemos um grande representante dos jacarés do Pantanal, sempre famintos, sempre em busca de peixes. A uns 20km da barra do São Lourenço existe esta pousada, ela é bem grande, com muitas dependências, mas estava com um aspecto de abandonada. Depois desta pousada, a uns 3 km, o Piquiri se divide em dois, criando uma longa ilha. Deve-se pegar o lado direito, pois o esquerdo se ramifica em inúmeros braços, tornando muito difícil o navegar.

As famosas TAIAMÃS ou Corta-mares: São andorinhões que migram das altas latitudes setentrionais, como norte do Canadá e Groelândia, fazendo cruzeiros de mais de 17.000km para virem se reproduzir nas praias do Pantanal. Têm a parte do bico inferior maior que a superior, voam rente à água com a parte inferior do bico riscando a superfície. Quando um incauto peixinho sobe à tona elas somente têm o trabalho de fecharem o bico e a comida está no papo! São aves maravilhosas voam a uma velocidade incrível e não é necessário dizer que são exímias navegadoras. É triste dizer, mas tem pantaneiros ignorantes que, desprezando o esforço destas heróicas aves, vão às praias onde elas têm seus ninhos para fazer a colheita de seus ovos. É realmente um crime, um desrespeito à natureza.

No trajeto paramos numerosas vezes para apreciarmos as belezas do Pantanal nesta região.
Com isso fomos nos atrasando um pouco e encontramos novamente o Machado&Patrick em uma bela praia. Não soube interpretar o que o Patrick estava fazendo na água neste momento empurrando o barco.
Logo mais adiante de onde os amigos estavam parados, em uma praia, estavam várias capivaras. O Chico desligou o motor e foi lentamente andando com o barco e estas duas capivaras, sem o menor medo, foram nos acompanhando, até pularam dentro d`água.

 

CORIXO DOS TUCUNARES E DAS ONÇAS.

Indescritíveis são as belezas e a riqueza da fauna e da flora neste corixo. A água quase transparente refletia, de forma quase artística, a mata de árvores majestosas que balizavam as mansas águas, que, à pequena velocidade de 1 a 2km/h deslizavam suavemente pelo leito do rio, acariciando as sombras e delimitando as margens sombrias dentro da mata.
Desligamos o motor de popa logo no início do corixo. O silêncio era quebrado, apenas pelas ondas levantadas pelo barco que ainda teimava em agitar aquelas águas serenas.
Depois de uns 15 minutos de completo silêncio, a mata criou vida: era uma miríade de sons que nossos ouvidos, ainda machucados pelo ronco de mais de hora dos 30HP do Suzuki, não conseguiam distinguir a origem. Inicialmente comecei o som alto e claro de um Jaó, que de forma onomatopéica repetia “eu sou jaóóóó!”. Segundo os entendidos seu pio somente tem 4 notas musicais, portanto, um caçador, com um pio artificial, facilmente consegue imitá-los e atraí-los em uma caçada. Como sua carne é de excelente qualidade, não é de se espantar que em toda a Mata Atlântica de nosso Estado eles tenham sido completamente extintos.
Nosso ouvido foi se acostumando aos sons sutis da mata. E, a cada momento novas vozes da natureza eram identificadas, principalmente pelo Chico, que sempre viveu no Pantanal.
Em um determinado momento, ele ficou sério e quieto, dizendo:
-Vocês ouviram a onça?
- Não, não ouvimos nada!
Silêncio na mata, até que um casal de araras barulhentas passou sobre nós.
Iniciamos a pescaria.
Logo depois de alguns arremessos com as iscas artificiais, eu, com uma araçatubinha, peguei o primeiro tucunaré. Em seguida o Gustão “ferrou” outro e o Chico também.
Havíamos encontrado um cardume de famintos e agressivos tucunarés. Realmente é muito emocionante e saudável este tipo de pescaria. Em um lugar como aquele, podemos atingir o máximo do prazer com a pesca esportiva.
A água limpa permite ver o peixe parado à espera de sua presa; então, arremessa-se a isca artificial bem à sua frente, recolhendo-a em seguida com pequenos puxões, dando ao tucunaré a impressão de estar diante de uma presa fácil de ser comida. Seduzido, o peixe investe impetuosamente sobre ela, mas ao perceber que está preso, descarrega toda sua agressividade, desenvolvendo uma força muito além da possibilidade de um
peixe de seu porte. A luta que se segue é fascinante, pois exige força, destreza e bons recursos (linha apropriada, carretilha, etc) para impedir que o peixe arrebente a linha ou a enrosque em alguma galhada, fugindo do nosso alcance.
Convém dizer que devolvemos ao rio os peixes médios e pequenos, ficamos somente com os grandes, destinados à nossa alimentação do dia, pois nosso objetivo é a pesca esportiva, que não agride nem desrespeita a natureza. Enquanto isso, o Chico insistia:
--Escuta, dizia ele, emocionado. É a onça mesmo. Vocês não ouviram?
Francamente, nem eu nem o Gustão tínhamos ouvido nada diferente, apesar da infinidade de sons da floresta.
Eram mais ou menos 11:00h da manhã, já havíamos percorrido uns 4 km de corixo, quando o Chico se arrepiou e nos pediu silêncio novamente.
--Vocês não estão ouvindo nada? Perguntou sussurrando. --Não, respondi.
--Prestem atenção, tem onça esturrando e miando aí dentro do mato.
Com o ouvido mais apurado, e em completo silêncio, deixamos a canoa deslizar lentamente à 1km/h pelo corixo para dentro da mata.
Ouvi um barulho à minha direita e virei-me rapidamente: era um bando de mutuns caminhando por entre as folhas. Acredito que o mutum seja, entre todas as aves galiformes cracídeas do Brasil, a maior e a mais bela. O macho, no meio das fêmeas, salienta-se pelas suas cores maravilhosas: asas pretas como as das fêmeas, mas o
corpo é de um carijó dourado que o torna de uma imponência sem explicações.
Fiz sinal para o Chico, mas ele se negou: não, não eram as aves que haviam aguçado seus sentidos.
Passado um pouco de tempo, depois que os mutuns sumiram entre as árvores, eu ouvi, o que o Chico já havia ouvido.
Lá das profundezas da mata, um som cavernoso, gutural, que parecia contornar as sombras e caminhar com elas até vibrar em nossos tímpanos. Era o verdadeiro esturro de uma onça pintada no sertão do Piquiri! Eu e Gustão nos arrepiamos, somente o leve barulho do remo com que o Chico mantinha o barco no meio do corixo diferenciava-se dos sons dos pássaros, do assovio longo e fino do bando de mutuns, do barulhento de papagaios que passou, e de numerosos outros sons.
Timidamente, e agora com respeito, recomeçamos a pesca. Parecia que, da mata, havia olhos a nos observar...E realmente havia! O Chico estendeu o braço, e com a voz emocionada, disse:
--Olhe lá a bitela, e seu braço esticou para frente e a estibordo do barco.

Em uma pequena praia, a uns 100m de nós, estava uma pacata onça lambendo a pata, com uma serenidade tão contagiante, que não chegamos a sentir nenhum medo. Eu, sem tirar os olhos dela, comecei a procurar a máquina fotográfica em minha mochila. Que dificuldade para achá-la! Peguei a máquina e liguei, receando que aquele belíssimo animal se assustasse e sumisse na mata, impedindo-me de fotografá-lo.
Nesse tempo todo, a canoa continuou descendo pelo corixo; quando realmente levei a câmara em posição, estávamos a menos de 50m da enorme onça. Ela não se abalou nem um pouco com nossa presença, manteve sua atitude de rainha do Pantanal.

O Chico, com sua calma característica, foi pilotando serenamente o barco para o lado da praia onde estava o majestoso felino.

Eu estava apenas olhando na tela de cristal da máquina digital Mavica. Uma máquina fotográfica, tão modesta e tirando tantas fotografias...

Esta fotografia foi a mais próxima que tiramos dela. Era um animal maravilhoso, que depois descobrimos ser uma fêmea e estava calma daquela maneira por estar no cio, além de estar muito bem guardada por, no mínimo, 3 grandes canguçus. O Chico segurou a canoa no remo um bom tempo, enquanto nós observávamos o animal.

Depois de um tempo ela levantou e deu um pequeno rosnado. Chico, lentamente, foi conduzindo o barco para longe. Ela não andou muito, na primeira sombra deitou-se novamente, e imponente, ficou observando nossa partida.

Estava na hora do almoço - 12:30: Depois de uns 200m, o Chico ligou o motor e subimos o corixo uns 2 km, onde encontramos uma frondosa árvore que propiciava uma sombra bem convidativa para um belo almoço. O barco foi imbicado em uma praia. Abrimos nossa marmita, apreciando o convidativo cardápio: Arroz, farofa, feijão, lingüiça frita com molho e dois ovos fritos.

Eu e o Gustão logo começamos a comer. O Chico não. Ficou, como se diz, com as “orelhas em pé”. Levantou-se e caminhou calmamente pela areia branca da praia.
Olhou bem para o chão, mediu passos e voltou rapidinho, sorrateiro.
--Vamos, vamos, que tem um canguçu por aqui e está bem perto! O rastro dele está bem fresquinho ali na areia, ainda está minando água dentro deles...
Rapidamente levou o barco para bem longe do barranco e amarramos a canoa nos últimos galhos da grande figueira que nos fazia sombra.
Na segunda fotografia vemos o Chicão que voltara rapidinho, dando a notícia para sairmos do barranco sombreado.Seguro morreu de velho!

Aportamos no meio do corixo e comemos no mais absoluto silêncio. Não demorou muito e ouvimos, lá nas profundezas da mata, o som gutural de um esturro da pintadona. Pela fotografia dá para perceber que o Gustão até parou de comer. Acho que ele estava, ou melhor, estávamos com medo de virarmos o almoço da onça. O som era tão grave e gutural que parecia ter corpo, parecia vir mexendo folhas, criando uma leve brisa do interior da mata para o rio. Chico logo diagnosticou: tem mais de um canguçu atrás daquela onça! Ela deve estar no cio, para ficar tão calma e confiante como a vimos.
Passados uns 15 ou 20 minutos, ouvimos outro esturro na outra margem do corixo. É incrível, mas estávamos assistindo a uma luta de acasalamento de uma onça pintada nas matas do Piquiri.
Saboreamos o almoço com a emoção de estarmos vivendo um momento extraordinário de nossa estada. Talvez, ou melhor, e com certeza nunca mais tenhamos essa oportunidade.
Bem, depois de uma pequena pausa, tocamos o motor uns 3km corixo acima, para voltarmos pescando mais um pouco.
A pescaria foi ótima! Nos pontos dos cardumes, era uma festa. Muitas vezes pegávamos mais de 3 tucunarés, isto é, eu, Gustão e o Chico.
Os tucunarés estavam brigando tanto que cheguei a quebrar uma varinha especial, comprada em uma exposição em São Paulo por $570, 00. Não gostei nada do fato, mas tinha certeza de que ela seria trocada pelo vendedor.

Bem ao fundo da fotografia está o lugar onde havíamos visto a onça. Será que ela ainda estaria por lá?
Paramos de pescar, enquanto o Chico rodava a canoa lentamente, bem no meio do corixo. Francamente, estávamos muito emocionados. Eu, particularmente, achava que ela não estaria mais por lá, porém...

A canoa foi lentamente descendo o corixo. Aos poucos nós fomos chegando perto de onde havíamos visto a onça. E lá estava ela, calma como se nada estivesse acontecendo.
Havia somente mudado um pouco de lugar, ficando mais à frente do pequeno descampado.
Mexia o rabo e as orelhas, como se estivesse se exibindo.
E, por incrível que pareça estava mesmo!
A canoa foi chegando lentamente mais para o barranco. Aí, sim, o Chico ficou branco e nosso coração quase parou!

Ao nosso lado, a uns 5 ou 10m de distância, estava o grande canguçu de tocaia. Seu mimetismo é tão perfeito que somente o vimos quando já estávamos quase ao alcance de seu bote.

Segundo o Chico ele já estava com os dentes à mostra, e se não fosse o toco à sua frente, poderia ter nos atacado. Os músculos do piloteiro pareciam um motor de popa silencioso, enquanto afastava cuidadosamente a canoa do macharrão.

Ainda tive a audácia de tirar mais uma foto, pois quando a canoa foi manobrada para se afastar, acabei ficando numa posição ainda mais próxima ao canguçu que, em câmara lenta e com os dentes à mostra, aproximou-se mais da água. Cheguei a sentir o característico cheiro do felino no ar.

Quando o barco chegou no meio do corixo, o Chico ligou o motor e fomos embora.
Navegamos um bom tempo sem trocarmos palavras, pois as emoções que tínhamos passado havia nos deixado muito emocionados e pensativos. Depois de uns 15 minutos de viagem, pedi ao Chico que parasse em uma bela praia para o Gustão tomar uma Skol e eu, um suco. Nem bem o barco embicou na areia, parando instantaneamente. O Chico, então, com seu sorriso amarelo e balançando a cabeça disse:
--Passamos por uma que “não foi mole”. Para mim aquele macharrão ia voar sobre nós.
Praticamente até aquele momento, eu e Augusto não havíamos de forma concreta tido a real consciência do perigo pelo qual tínhamos passado.
--Olhe, prosseguiu o Chico, já sei de muitos que foram mortos por macharrões em idênticas situações. Eu mesmo, lá para os lados do Paraguai-Mirim, já tomei o carreirão de um bicho destes, e somente me salvei porque o motor de 40HP estava ligado e eu saí voando, nem coragem de olhar para trás eu tive. Para mim parecia que a qualquer momento o bitelo ia abocanhar meu pescoço. Não é mole, não! Acho que em meus 25
anos de Pantanal nunca passei um apuro daqueles.
Aí, sim, que eu e Gustão ficamos arrepiados mesmo. Todavia, resolvemos que no outro dia voltaríamos lá, só que sempre no meio do corixo. A pescaria havia sido excelente, e em bem raras vezes senti tanta emoção assim em um mesmo dia, em minha já longa vida de aventuras. Na descida pelo Rio Piquiri, continuamos a ver muitas aves e animais. Incontestavelmente, é uma região muito rica.

Estávamos descendo o Piquiri quando encontramos o Machado&Patrick em uma pousada que existe a uns 15 km antes da barra do Piquiri com o São Lourenço. Um lugar muito agradável, em cujas árvores havia numerosas e maravilhosas araras azuis. O Machado havia conseguido, com o gerente da pousada, 100l de óleo Diesel, o que foi muito propício pois todo combustível que pudéssemos arranjar seria muito importante
para nosso retorno a Corumbá.
Contamos aos companheiros a história das onças que havíamos visto, mas em virtude do cenário que estávamos vendo no momento, da emoção de araras voando pelos numerosos pés de cocos bacuris, nossa aventura não deu nenhum IBOPE, como podemos dizer, “passou batida”. O Patrick, acho que por delicadeza, disse que depois queria ver as fotos.
Bem, isto tudo em uma aventura é normal, por isso que procuro gravar as coisas e meditar um pouco sobre tudo que acontece. Mais tarde com mais calma, pode-se avaliar os acontecimentos e perpetuá-los em nossa mente.

Quem mais gostou realmente do dia, da pesca de tucunarés e do esbarro com os macharrões foi o Chico.
Pegaríamos quantos tucunarés quiséssemos, mas, acho que o que retiramos da água neste dia foi um exagero. A fisionomia do Chico mostra a felicidade que ele estava, pois quem o conhece sabe que para ele abrir um sorriso deste não é nada fácil.

O dia havia sido de fortes emoções. Em todos os sentidos. Todos estavam felizes e ainda mais esperançosos para o dia seguinte. Pescaria tem esta grande vantagem, sempre esperamos que o próximo dia seja mais ou tão emocionante quanto aquele que está passando.
Cada dia que passa sinto que o companheirismo com que todos os amigos agiram nesta grande pescaria, foi exemplar. Todos foram muito pacientes com os erros de previsão, os meus e do comandante.
É possível que algum companheiro tenha se aborrecido em algum momento, mas com todo garbo e calma aventura continuou em paz.. Espero que na próxima não façamos nada fora do “script”, para não deixar nenhum amigo contrariado. Obrigado pela compreensão meus preclaros amigos, e que permaneçamos sempre unidos como nesta fotografia.

São 8:20 da manhã do dia 01-10-2003, eu e Gustão acordamos tranqüilos, como sempre ocorreu durante toda a grande viagem. A idade tem esta pequena vantagem:
não sentimos mais, de forma tão dolorida, a angustia e a ansiedade de estarmos sempre correndo atrás dos peixes ou das aventuras, somos mais serenos e procuramos ordenar as coisas para que elas aconteçam em seu devido tempo.

O dia estava cinematográfico. O céu estava coberto por uma camada descontínua de altos estratos, e nos espaços entre as nuvens, o azul anil da atmosfera atestava a limpidez do ar do Pantanal. O sol nascente decompunha seus raios luminosos em um espectro de cores, formando quadros de rara beleza, em harmonia com as matas, com as águas, com os pássaros, amalgamando-se com a felicidade que tínhamos por estarmos ali, participante de toda aquela esplendorosa natureza. Estas duas fotos concretizam esses momentos, mas sua verdadeira beleza, sua sutileza, somente nossas almas podem reter, isto é, se tivermos a sensibilidade necessária para vemos tudo isso que a Mãe Natureza nos oferece.
Os companheiros Machado&Patrick já haviam partido. Estavam atrás de peixes nobres e de grandes pescados. Eles estão certos, pois sair de tão longe e fazer uma viagem desta só para pescar tucunarés?...
-- Cada louco com suas manias!
Assim, lá fomos nós novamente para o corixo dos tucunarés.
Fui muito mais tranqüilo, toda a rota até o ponto de pesca e das onças já estava marcada em “Waiponts” no GPS, como pode ser visto no esquema ao final do relatório.
Quantos pássaros vimos pelo trajeto! A riqueza da fauna na região é inquestionável:
Numerosos aracuãns, que por não serem perseguidos atualmente, tornam-se mais dóceis, permitindo até que nos aproximemos deles para observa-los melhor.
Anhumas, em meu modesto ponto de vista são realmente as rainhas do pantanal, pelo seu porte altivo, pelo seu olhar atrevido e agressivo, principalmente quando nos aproximamos de seu ninho. Por sinal, nidificam no chão, em cima dos camalotes. Já presenciei casais de anhumas voando sobre companheiros que chegaram muito perto de seus ninhos. São extremamente barulhentas e espalhafatosas.
Jacutingas são aves gordas, da família das galináceas; com seu vôo lento atravessam o rio de uma margem a outra, como se estivessem brincando, e nesse vôo fazem uma algazarra característica, para chamar a atenção.
Colhereiros, em pequenos bandos, com sua cor vermelha mais pareciam enfeites colocados nas praias de areia branca, ao longo de nosso caminho. São muito discretos:
quando a canoa se aproxima, eles levantam vôo ordenadamente, um após o outro, em uma disciplina quase militar.
João Grande, ou Jaburus, ou Tuiuiús: São realmente consideradas as aves símbolo do Pantanal de Mato Grosso. Também, com seus 2m de envergadura, não é para menos! Caminhavam lentamente durante nossa passagem, deixando bem claro que nós os estávamos perturbando em sua busca por alimentos. Toda branca, com a cabeça e longo bico pretos, de longe lembra um “maître” na porta de um restaurante.
Vendo tantas belezas, os 60 minutos de viagem, passaram despercebidamente, enquanto cruzávamos os 33Km. Até o corixo. Na boca do Corixo dos Tucunarés e das onças, desligamos o motor de popa, que faz um barulho infernal, e entramos silenciosamente pelo corixo, ao sabor da lentíssima correnteza e do remo do Chicão.
Aos poucos, os barulhos da mata começaram a tomar conta dos nossos ouvidos.
Os primeiros sons identificáveis foram os dos jaós, que às dezenas, piavam pela mata.
Japuiras, construindo seus ninhos como tecelões, bem ao rés da água, atestavam sua instintiva inteligência, pois se algum animal vier comer seus filhotes, como macacos, tucanos e outros, o galho do ninho enverga, entrando na água e impossibilitando o saqueador de cumprir seu intento.
Achamos o cardume de tucunarés a uns 3km abaixo da entrada do corixo, foi uma festa. Nossa técnica de pesca colocada à prova, nossas emoções indescritíveis e ainda restava chegar no domínio das onças pintadas...
Estávamos ainda a uns 2km do lugar onde havíamos visto as onças. Paramos a pesca e deixamos o barco ir rodando lentamente sem nenhum barulho. Não saberia descrever quantos ruídos, sons, cantos, a mata emite no silêncio da travessia.
Identifiquei novamente os assovios agudos e típicos do bando de mutuns 1 km antes da praia das onças.
Fomos chegando...Vi a praia, mas nada das pintadas! Um pouco mais adiante, o Chico estendeu o braço para a sombra de uma grande árvore ao lado da praia. Que espetáculo inesquecível: no sombreado da floresta, estava um magnífico casal de felinos! Duas pintadas maravilhosas, com certeza o macho dominante e a fêmea
dominada... Que maravilha indescritível é a natureza! Eram duas espécies de canguçus realmente extraordinários, quer pelo porte, quer pela elegância quer pela displicência com que olharam para nós. Ficou claro que não queriam ser incomodados em sua intimidade, pois se levantaram e desapareceram entre as árvores, como duas sombras na escuridão. Ficamos pasmos pela leveza e elegância com que se moveram, desaparecendo, com seu extraordinário mimetismo, bem “debaixo de nossos narizes”.

Ponderando e recordando:
Quando eu, Marcelo e Dr. José Merli estivemos fazendo um safári na África, tivemos a grata oportunidade de ver o namoro e a cópula de um casal de leões. Eles permanecem mais ou menos dois dias juntos, se esfregando e rosnando baixo, e depois passam horas copulando de tempos em tempos. Findo cio da fêmea e com a certeza da fertilização, cada um segue seu caminho. Mas o guia nos fez observar tudo isso a grande distância para não perturbar a intimidade dos felinos. Pelas vezes em que vi as onças no Pantanal em condições semelhantes, acredito que o comportamento do felino brasileiro deva ser semelhante ao dos reis dos animais africano.
Depois deste encontro para procriação da espécie, cada animal segue seu caminho para determinar seu território de caça.
A fêmea tem que achar um lugar especial para se alimentar, criar seu espaço, seu território, descobrir uma gruta e um grande pau oco para fazer seu ninho protegido dos muitos predadores que estão em busca de suas lindas crias. De todos os seus inimigos, o homem ainda é o pior. É lamentável, mas isso ainda é um fato.
Volta do corixo com os tucunarés pegos. A tempo: acho que ninguém acreditou que vimos as onças juntas e se acariciando.

Não é para nos gabarmos, mas no segundo dia demos realmente uma demonstração da pesca esportiva ao
tucunaré: arremessos precisos na boca dos bichões;
linhas finas e varas delicadas em árdua luta com os esportivos peixes, pulos espetaculares dos maravilhosos
exemplares pescados, dos quais a grande maioria foi solta. Assim mesmo, dá para ver, nas fotos seguintes, a
grande quantidade de peixes que ainda trouxemos para o barco. Realmente foi mais um dia em nossas vidas que não esqueceremos jamais.
Ainda não recebi as fotografias do Patrick para colocar nesse relatório, mas eles estavam também se divertindo
muito e pegando peixes de grande categoria. Para falar verdade, o Patrick e o grande Machadinho são muito, muito mesmo, melhores pescadores que eu e Augusto. A única coisa que temos muito mais que eles é a idade.

Aí estão os tucunarés do segundo dia de pesca. Eu e Gustão estamos realizados, mas pela fisionomia pode-se ver que também estamos muito cansados, de tantas aventuras e arremessos para a captura dos peixões. Arremessar o dia todo e no lugar certo exige concentração e força. É um belo exercício, teremos peixes para comer durante toda a viagem de volta. O estoque está garantido.

O dia havia começado lindo e terminou esplendoroso. À tarde as lanchas Marajós 19 do hotel do Porto Jofre estavam retornando. A água do rio, escurecida pelas sobras das árvores à sua margem esquerda, desenhavam dinâmicos quadros de rara beleza quando as possantes máquinas passavam e levantavam espumantes ondas no entardecer pantaneiro.

Depois de pouco tempo, a margem direita do rio foi iluminada, pelos raios do sol que se refletiam na estratosfera.Parecia que o dia ia nascer novamente.
O raiar do dia e o pôr do sol no pantanal são muito semelhantes: somente variam as cores, pois o primeiro tende para o vermelho e amarelo forte, e o segundo é um caleidoscópio de matrizes que dependem muito das condições da atmosfera. Nessa visão tudo se tingiu de amarelo, mas é um flash de tempo, é ver e fotografar, pois passados alguns minutos tudo muda... É uma dinâmica ininterrupta de sons, cores, odores e luzes.
O Pantanal é simplesmente lindo, é quase um estado de espírito. A PARTIDA. Pelas medidas aferidas no GPS, havíamos navegado 380km dos Rios Paraguai, São Lourenço e Piquiri com o Shekinah. Depois de aportados no Piquiri, navegamos para pescar com a canoa mais uns 175km. Assim, havíamos andado pelos rios aproximadamente 555km.
E teríamos, certamente, os 380Km de volta a Corumbá.
Estava preocupado com a volta por vários motivos:
O combustível: não tínhamos óleo diesel suficiente, para voltarmos dentro das normas de segurança da marinha.
As condições meteorológicas: o tempo estava instável em vários pontos de nossa rota.
O barco: o Shekinah nunca havia feito uma viagem tão longa sem manutenções preventivas.
Somente eu e Chico tínhamos estas preocupações em nossa mente. Mas, confiantes como sempre, na quinta-feira, às 06:45h da manhã, levantamos âncoras do Rio Piquiri com destino a Corumbá.
A altitude do lugar que estávamos era de 117m pelo GPS.
O Machadinho&Patrick saíram mais cedo com a canoa para descer o Rio São Lourenço pescando, o que fizeram muito bem. Eles saíram, mais ou menos, 1 hora antes de nós, e teriam até à hora do almoço para pescarem, pois as canoas andam praticamente quatro vezes mais rápidas do que o barcão.

Na primeira foto, o Chico está saindo do Piquiri com o barco e seu sorriso é de satisfação. Não é para menos: tínhamos feito uma ótima pescaria e visto uma onça... Bem, o caso das onças ainda vai render histórias para todos nós por muitos anos. Espero não aumentar muito o número dos felinos quando for contar a história, no futuro para meus netos...
Na segunda fotografia: Assumi o comando do Shekinah e o pilotei até à hora do almoço. Gosto de pilotar, pois a gente fica prestando atenção nas manobras e não vê o tempo passar. Havia assumido o comando bem em frente ao Porto Jofre.
O Gustão, grande companheiro, sempre chegando por perto e batendo uma prosa importante. Somente não aceito mais café oferecido por ele, pois o último que ele me serviu estava “adoçado” com sal...
Felizmente o Shekinah estava muito bem, e descemos fazendo uma média de 16km/h, que representava 6km/h a mais do que quando subimos os rios. A diferença é a velocidade da corrente da água, que ao final da viagem tem grande importância para o gasto de combustível e o tempo.
Passamos pelo Machadinho duas vezes. Eles estavam felizes, parece que pegando uns peixes bons. Assim foi até à hora do almoço, quando “a fome falou mais alto” e eles nos alcançaram.

Aí, os companheiros estão em um ótimo ponto de pesca. Foi uma pena eles terem que parar de pescar para seguirmos viagem. Mas, infelizmente não podemos fazer tudo que temos vontade, é a vida. O Machadinho ficou um pouco aborrecido por eu interromper a pescaria um dia antes do combinado, Ele estava coberto de razão, mas, infelizmente, eu e o Chico, por mais que conversássemos, não conseguíamos apagar da nossa mente a preocupação com o longo retorno. Felizmente, o Machadinho, como diz o Gustão, é verdadeiro lorde inglês e creio que nos perdoou por esta lamentável falha...

Ancoramos o Shekinah para recolher os companheiros. Levantamos os barcos no guincho e guardamos os motores nos porões, com muita rapidez, graças à prática da tripulação, pois não deixa de ser uma série de procedimentos complicados.
Depois desta pequena parada, tivemos a satisfação de comermos um belo almoço, cujo prato principal era peixe na brasa. Enquanto isso, o barco continuava andando.
O Chico queria passar pela Serra do Amolar ainda com a luz do dia, pois durante a noite as sombras da serra atrapalham e confundem muito a navegação.
É incrível a desolação das pessoas ribeirinhas que moram nesse estirão interminável de rio. Andamos praticamente 100km sem encontrar ninguém: não havia pescadores nem barcos. Creio que essa desolação está contribuindo muito para a restauração da fauna do Pantanal. Há males que vêm para bem...
O Machado contou-me um fato muito triste, ocorrido quando estavam descendo de canoa à nossa frente.
“Ao chegarem em uma ilha, havia uma choupana de pescadores, retirada menos de uma centena de metros da margem. O pirangueiro Padilha disse que ali morava um conhecido seu, o Jóca”. Diz o Padilha”:
--Ele é um ótimo pescador, muito alegre e sabe sempre onde está o peixe. Se quiserem, iremos até a casa dele para vocês o conhecerem e trocarmos uma idéia.
Prontamente o Machado aquiesceu ao pedido. Pararam no humilde porto, e foram caminhando para o casebre.
Diz o Machado:
--Tudo era muito triste, sujo e sem vida. Silhuetas apareceram na mísera porta e na única janela do rancho, mas o ambiente era estático e sombrio. O Padilha estranhou, mas foi andando. Eu segui atrás, um pouco ressabiado. As silhuetas se movimentaram, as da janela pareciam ser duas ou três crianças. Mais próximo, uma senhora, não muito velha, mas muito “acabada” e cabisbaixa, saiu na soleira da porta. Era a mãe do Jóca.
--Padilha, foi dizendo alto, uma está o Jóca, dona?
Ela não respondeu. Fomos nos aproximando, e já bem perto pude avaliar a figura de amargura e sofrimento da senhora.
--Você não soube, não?
--O quê, dona Maria, disse o Padilha.
--Faz uns 15 dias, o Jóca se arrumou todo, pôs sua melhor roupa e foi em um terço, que ia ser rezado lá nos Carandá. Soluçando, repetia: não voltou mais...
Depois de 2 dias acharam a canoa, mas nada do meu filho. Somente uma semana depois encontraram o corpo. Agora, estou aqui sozinha, mais as crianças para criar, é muito triste...
“A desolação era tanta, segundo o Machado, que ele sentiu o chão fugir sob seus pés.
Ele e Padilha nada podiam fazer. Cabisbaixos e reverentes, demonstraram seus sentimentos e se retiraram. Segundo o Machadinho, ele não se lembra de uma dor maior”.
Somente em Ribeirão Preto, Machadinho contou-me esse triste acontecimento.

Horas e horas depois, bem perto do Rio Paraguai, encontramos este barco de pescadores profissionais. Havia no barco famílias interias, inclusive com muitas crianças. O Padilha disse que eram pescadores saindo da reserva do Carcará.
Realmente o grande problema do Brasil é esta constrangedora diferença entre as várias camadas da sociedade. Pode-se imaginar a vida destes homens, mulheres e crianças em uma paupérrima embarcação como esta? Os guardas toleram uma certa pesca predatória para a miserável sobrevivência deles, mas e o futuro? Como será a velhice destes pescadores e a existência destas crianças: os meninos talvez caiam na marginalidade nas grandes cidades e as meninas, na prostituição! É muito triste pensar
em tudo isso e ser impotente para fazer qualquer coisa de concreta. Resta-nos cumprir nossa parte com honestidade e rezar para que os governantes parem de roubar despudoradamente e comecem a gerir melhor a vida do povo deste imenso e riquíssimo país.


CHEGANDO NA FOZ DO SÃO LOURENÇO COM O PARAGUAI.


Chegamos às 17:45h, foram 11 horas de viagem para percorrer 160km, sem computar neste tempo, as paradas técnicas.
Foi com bastante emoção que vimos ao longe a Serra do Amolar. Tínhamos passado pelo Carcará, onde a paisagem estava muito linda. Logo passamos pelo Hotel da Mesbla e então pude notar como é grande mesmo a construção deste hotel. Que tempos áureos foram os anos entre 1970 a 1983, que permitia, a uma firma como a Mesbla, construir neste longínquo paraíso uma obra monumental como esta. Vivemos períodos ótimos e na ocasião nem demos conta do quanto éramos felizes, não sabíamos...
Acho que a vida é assim mesmo, somente damos valor, àquilo que não temos ou ao que ainda almejamos, pois o que temos torna-se um passado de antigas conquistas, e nossa decadente filosofia não tem nos ensinado a valorizar e preservar, com amor e entusiasmo, nossas aquisições... Digo isso em todos os sentidos!

Isto tudo é bem evidente em nossas viagens. Por exemplo, eu e Patrick ficamos superfelizes por estarmos vendo a serraria do Amolar. Chegando ao Amolar, estávamos em busca de outros portos, outros horizontes. Se a serraria do Amolar é tão linda, por que fomos até tão longe em busca do Piquiri? Bem, a busca, a aventura, estão em nossos corações, queremos ir cada dia mais, longe, queremos cada dia conhecer novos lugares, queremos sempre viver novas histórias, pois as conquistas passadas são o passado e tendemos a deixá-las sempre para trás... E, buscar novos horizontes!
Quando chegamos ao Rio Paraguai parece que uma grande etapa da viagem havia sido concluída. Senti uma emoção bem grande ao adentrar o imponente rio. Em sua margem direita estava a marcante morraria da Serra do Amolar, isto é, a estibordo do Shekinah.
Em meio a uma planície, que é uma das maiores do mundo, a aproximação de uma serra parece mudar tudo na ecologia do lugar.
O sol encimando o alto da cordilheira prenunciava seu ocaso por trás dos paredões abruptos da serra. O pôr do sol por trás das montanhas era o temor do Chico, pois seria muito importante atravessar os 15km do Amolar antes que a luz do sol lançasse suas sombras no leito do rio. Quando isto acontece, as sombras se confundem com a escuridão da superfície das águas do rio, criando contrastes que quase impossibilitam a navegação no lusco-fusco da noite, nesse trecho perigoso do rio.
Nós, no momento, não participávamos dos temores do comandante, pois o panorama era tão maravilhoso, que queríamos vivenciar ao máximo estes inesquecíveis momentos. Era tempo de sonhar, recordar, relembrando as viagens passadas e os companheiros que aqui já não estão mais. Temos mesmo que acreditar em uma outra vida espiritual alem desta, pois caso contrário, um grande vazio abre-se em nosso coração pois nossa existência é muito efêmera, frente à grandeza de tudo o mais...
Passei o timão para o Chico e convidei os companheiros para subirmos na cobertura, a fim de desfrutarmos da paisagem durante a passagem pelo Amolar.
Deus, senhor de todos os espaços, criador e força de nossa existência, por que merecemos participar de tanto? Não podemos nem sequer imaginar os parâmetros e a complexa equação de nossas vidas, assim, Senhor, somente podemos reverenciá-lo, e agradecer, por sempre termos desfrutado de tudo de belo e sublime que nos têm oferecido, sem nada cobrar, sem nada exigir... Uma dádiva tão exuberante que, em nossa grande ignorância, poucas vezes sabemos reconhecer e AGRADECER-LHE por tanto.
A visão era maravilhosa, os raios de sol se decompunham nos altos estratos, criando quadros de rara beleza que se alternavam continuamente. Essa era nossa visão para oeste, pelos lados da serraria e do pôr do sol.

Nestas fotografias vemos o sol chegando na crista da Serra do Amolar. Na segunda fotografia, o exato momento em que o sol se escondeu atrás da morraria. Visões inesquecíveis de uma grande aventura.
A bombordo, isto é, para os lados da margem esquerda do rio, era a planície pantaneira que se confundia, à distância, com a linha do horizonte. Outro espetacular cenário, a luz refletida nas inúmeras baías e corixos criando uma luminosidade incrível na atmosfera.
E, destas águas, riquíssimas em alimentos, centenas, milhares de aves saciadas, levantavam vôo em busca de seus pousos, seguros, na Serra do Amolar.
Era realmente emocionante ver as batuíras ou irerês, em vôos de formação: a líder à frente e todo o bando formando uma flecha, acompanhando o sentido exato do deslocamento pelo púrpuro céu das encostas da serra. Os casais de araras vermelhas também se dirigiram, aos gritos, para a serraria. É incrível mas as araras estão sempre aos pares.
O que mais nos chamou a atenção foi um bando de colhereiros, que com sua plumagem vermelha e seu vôo ondulado e sincronizado, cruzou o rio em um vôo baixo, quase roçando a água. Eram tão combinados que, à medida que se distanciavam, pareciam ser uma só ave, imensa, a cruzar o espaço. Misteriosamente, desapareceram em uma curva do rio.
Pródiga natureza esta, que se expõe de forma tão exuberante, para em seguida se ocultar nas sombras, com novos capítulos e novas visões. Tantas aves, tantos vôos, que depois se diluem no espaço. Não é sem razão que os Egípcios acreditavam que Íbis, sua ave sagrada, fosse capaz de ir de um mundo a outro, pois ao pôr do sol elas simplesmente sumiam das margens do Rio Nilo, e ninguém sabia para onde elas iam.
Felizmente quando o sol atingiu a crista da morraria já estávamos nos Novos Dourados, portanto praticamente fora da morraria do Amolar.
O Chicão, mais uma vez, tinha razão, pois quando o sol ficou atrás das montanhas as sombras que se projetaram na superfície do rio, confundiram todo o espaço que nos cercava. Nessa hora perde-se os parâmetros, e às vezes, a mata-galeria parece subir no espaço, enquanto, na escuridão, o rio desenhe curvas que simplesmente não existem. Somente um comandante que conhece o rio de cor é capaz de navegar durante o lusco fusco, pois sabe exatamente para onde o rio está correndo.
Iríamos navegar a noite toda, para chegarmos a Corumbá no outro dia pela manhã. Aproveitamos a claridade restante do poente para jantarmos. O Roberto serviu um soberbo filé de pintado com alcaparras, arroz à grega e salada, o jantar da despedida foi à altura da comitiva muito bom.
O Gustão e Machado fartaram-se com uísque e com o bom vinho do Machadinho.
Depois do jantar subimos novamente na cobertura para vermos as estrelas. Vênus, esplendorosa, despontava no oriente como um farol entre as estrelas. Curiangos e morcegos insetívoros, em ziguezague, capturavam os milhões de insetos que voavam sobre a água. O Shekinah ia sereno, cortando o mar de águas do grande Rio Paraguai.
Todos foram ficando com sono e procuravam se recolher. Eu havia visto relâmpagos e raios cortando o espaço a bombordo de nosso barco. Calculei que estariam a uns 20km de distância. Era um CB (cúmulos nimbos) de grande tamanho. Seu topo deveria estar a mais de 15.000m de altura, e os relâmpagos desciam como cascatas de fogo de seu cume de gelo. Como sempre, é um grande espetáculo e uma grande preocupação, pois nossa rota e seu deslocamento, de Este para Oeste, tinham grande chance de se cruzarem.
Desci e alertei o Chico e o Padilha. O Gustão estava deitado no sofá e quis saber o que estava acontecendo. Contei, ele ficou quieto. Pelos meus cálculos, estávamos à 1:30h do cruzamento com a tempestade.
Pedi ao Chico que chamasse, pelo rádio algum companheiro que estivesse Águas Acima, na região do Coqueiro, para saber das condições meteorológicas. Silêncio total!
Nos 30 a 40km que nosso fraco rádio alcançava não havia nenhum barco navegando na escuta. Tornamos a chamar algumas vezes, inutilmente. O jeito era tocar para frente e manter os olhos no tempo.
O Shekinah estava soberbo, navegando a mais de 18 horas sem uma falha, sem uma tremida, muito bom, bom mesmo. O Chico e o Du estão de parabéns!

Coloquei um banco na proa do barco e fiquei fazendo companhia para o Chico.
Infelizmente, o CB, estava cada vez mais perto, e em nossa rota de navegação, cruzálo seria inevitável!
Aos 30 minutos do novo dia, encontramos o monstro. O vento soprava violentamente, com mais de 40 nós. A navegação não estava fácil, mas quando a chuva e o vento chegaram juntas não tivemos outra opção a não ser ancorar em uma grande árvore a bombordo, procurando abrigo, pois o vendaval que se anunciava não seria brincadeira. É muito arriscado cruzar um CB com uma embarcação ou uma aeronave. Nos grande navios e jatos eles dispõem de radares meteorológicos, justamente com o objetivo de rastrearem os cúmulos nimbos, no mar ou no espaço.
Depois de bem amarrado o barco, toda a tripulação foi, rapidinho, dormir. Eu deitei também. Fiquei ouvindo a tempestade urrar lá fora. Sabendo que não corremos perigo nenhum, é emocionante estar no meio de um temporal deste quilate. Depois de 1 h ele foi passando, e após 15 minutos de trégua, subi na cobertura para analisar o tempo. O CB ia rugindo para oeste, e no céu as estrelas já apareciam. A atmosfera, perfeitamente limpa pela chuvarada, parecia trazer o firmamento ao alcance de nossas mãos na escuridão da noite. Como são incríveis as abruptas mudanças da natureza:
somente Ele, com sua suprema sabedoria, poderia comandar tão complexos acontecimentos.
Chamei o Chico e o Padilha.
--Companheiros, o mau tempo já se foi, soltem as amarras e liguem as máquinas.
Temos ainda 160Km de rio para chegarmos a Corumbá.
Eles foram rápidos! Em menos de 10 minutos estávamos navegando calmamente e agora auxiliados pela luminosidade do espaço sideral, lindo, muito lindo! Um ambiente inesquecível, das silhuetas da mata galeria balizando o deslocamento da embarcação.
Fiquei ali mais uma hora com eles. Às 3:00h fui deitar, na tentativa de dormir um pouco.
Felizmente, dormi até às 6:30h.
Conforme o previsto, o Shekinah navegou a noite toda, e com o Chico e Padilha revezando-se chegamos no posto de abastecimento do porto às 7:30. Tirando as paradas, gastamos aproximadamente vinte e quatro horas para a volta, ou seja, quatorze horas a menos do que havíamos gasto na subida até o Piquiri. Esta diferença,
em primeiro lugar deve-se à correnteza dos rios, e em segundo, ao peso da embarcação, pois na subida tínhamos quase 2.000kg a mais de carga.

Eu e comandante Chico no último por do sol da grande aventura. A Serra do Amolar já está a mais de 10km. Tínhamos passado o estreito do Amolar, estávamos fora de perigo. A luz do sol poente vai se decompondo nos altos estratos da atmosfera. Como eu disse, era um espetáculo de luzes, sombras e escuridão.
A água do rio, como um espelho, duplicava as imagens, como se pode confirmar pela fotografia:
tudo o que se vê em cima é refletido em baixo. Esse fenômeno que, durante o lusco-fusco, dificulta sobremaneira a navegação, pois pesando ser o rio pode-se entrar “de cara” em uma barranqueira, o que causaria um desastre de proporções inimagináveis.

Este é o quadro que fica em minha mente do final desta grande viagem.

Chegado no Porto do Hotel Gold Fish, nosso destino.

Aí está o heróico Shekinah, que havia completado uma viagem de 60horas e 20 minutos. Eu, somando os deslocamentos na canoa, percorri, pelo GPS, 987km de rios. Estou ao lado do Roberto, nosso prezado cozinheiro, que se portou muito bem durante toda a viagem.

Saímos com as caminhonetes às 12:15h; tínhamos pela frente 1240km até Ribeirão Preto.

ESQUEMA DO GPS, DA SEGUNDA PARTE DE NOSSA GRANDE AVENTURA.

Estes são os esquemas da viagem traçados pelo GPS nos mínimos detalhes das curvas dos rios navegados.

Foto recordação da grande viagem realizada, uma recordação para sempre, de belezas, companheirismo e aventuras.